A infidelidade conjugal rodriguiana e a delação política, em dois filmes nacionais

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Quem se acostumou a associar o nome Nelson Rodrigues a escabrosas tragicomédias da vida suburbana talvez tenha uma surpresa assistindo aos três episódios do longa-metragem "Traição".
São, a rigor, três curtas distintos, inspirados em microcontos da série "A Vida como Ela É", que o escritor publicava em jornais. Cada um deles explora um aspecto do universo rodriguiano.
Em "O Primeiro Pecado", episódio do diretor Arthur Fontes, o tom é de comédia da vida privada, nostalgicamente ambientada no Rio dos anos 50. Um aprendiz de machão (Pedro Cardoso) entra em pânico quando é assediado por uma fogosa mulher casada (Fernanda Torres).
A encenação é singela, mas tem delicadeza e poesia, reforçadas pela bela fotografia de Affonso Beato.
O segundo episódio, "Diabólica", é bem mais complexo. Seu diretor, Fernando Torres (filho de Fernanda Montenegro e irmão de Fernanda Torres), mobilizou referências do cinema e dos quadrinhos para prover de atmosfera macabra, quase gótica, a história de uma ninfeta (Ludmila Dayer) que seduz e leva à loucura o cunhado (Daniel Dantas).
A cena final do segmento, numa delegacia, dominada por uma soberba Fernanda Montenegro (no papel de mãe da ninfeta e da irmã traída), é inesquecível.
Por último, o episódio "Cachorro!", de José Henrique Fonseca, atualiza e exacerba a brutalidade latente em Nelson Rodrigues, ao mostrar o acerto de contas entre um marido traído (Alexandre Borges), a mulher (Drica Moraes) e o amante (José Henrique Fonseca), num quarto de hotel de quinta.
É um "huis clos" hiperrealista que deve muito à literatura policial de Rubem Fonseca (pai do diretor) e ao cinema de Quentin Tarantino. Nos bons momentos de "Cachorro!", a violência é transcendida pelo absurdo.

Avaliação:    


Título: Traição
Produção: Brasil, 1998, 100 min
Direção: Arthur Fontes, Fernando Torres, José Henrique Fonseca
Com: Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Daniel Dantas