São Paulo, segunda-feira, 05 de agosto de 2002

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A SOMBRA DA ILUSÃO

Depois de trabalhar com papel, madeira, vídeo, pintura e laser, Regina Silveira entra na arte digital e também abre instalação em galeria

Artista debate real e virtual

Cristiana Castello Branco/Folha Imagem
A artista plástica Regina Silveira


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Discretamente, Regina Silveira já espalhou moscas pela cidade. Foi no ano passado, na mostra "Bienal, 50 Anos". Com as moscas, de grandes dimensões, projetadas em organizações financeiras, instituições culturais e monumentos, a mensagem era clara: há algo de putrefato no circuito.
Agora, a artista plástica retorna com sua crítica bela e irônica em dois locais da cidade: neste sábado, em "Emoção Art.ficial", primeira mostra do itaulab, do Itaú Cultural, e dia 12, com uma individual na galeria Brito Cimino.
No itaulab, "Descendo a Escada" é uma escada virtual e interativa, que conduz o visitante a um buraco escuro. "Estamos chegando ao fundo do poço", afirma Silveira, 62. Na exposição, com artistas de 15 importantes centros internacionais de arte e tecnologia, ela é a única brasileira.
A obra é um desdobramento de "Escada Inexplicável", trabalho apresentado no Paço da Artes, em 1998, realizado a partir de uma escada real em Santa Fé (EUA). Agora ela está animada. "Isso resolve um problema de quando a obra foi apresentada na Bienal do Mercosul (99), pois as pessoas saíam das obras interativas do Julio Le Parc e queriam caminhar pela escada, tive que restaurá-la por isso", diz a artista.
Acionando um mecanismo, é possível agora caminhar virtualmente pela escada de quatro andares projetada por backlights, ouvindo-se o barulho de passos. "É um Roger Rabbit ao contrário", brinca Silveira.
Falando sério: "A obra tem origem em meu interesse pela exploração de espaços vertiginosos construídos por procedimentos de distorção da perspectiva. Meu objetivo maior tem sido provocar a suposição da existência de possíveis abismos, abaixo do chão".
Assim, Silveira agrega a arte digital ao já imenso rol de suportes em suas obras. Do papel à madeira, do cartão postal ao vídeo, da pintura ao laser, nada escapa.
Já na Brito Cimino, Silveira apresenta "A Lição", considerando-a um resumo de sua obra. "Esse trabalho sintetiza abordagens que tenho feito em minha carreira ao tratar de forma bastante irônica a questão da natureza da arte, a formação do artista, o que é cópia e o que é representação."
Imensos objetos -um cubo, uma esfera, um cilindro e um cone- estão dispostos em um dos cantos da galeria. Suas sombras, da mesma maneira que em outros trabalhos da artista, são projetadas nas paredes. Essas "trevas" são sempre um elemento fantasmagórico nos trabalhos de Silveira. Distorcidas, as sombras tornam-se metáforas e podem criar livres referências na mente do espectador. "Em um território da ambiguidade, pode-se ver tudo."
Apesar de impressionante, a sombra não é considerada a principal característica na obra de Silveira. "Gostaria que não pensassem tanto em sombras quando falam de meu trabalho. Elas são um componente, assim como a luz, a distorção, a perspectiva. Enquanto poética, meu trabalho é uma crítica à representação", afirma.
Professora universitária por vários anos, até 1982 na Faap e até 1993 na USP, Silveira tem grande influência na formação de artistas paulistas. Sua obra agora opera com estratégias no ensino de artes plásticas. "Essa obra é uma lição de arte. Ela é uma natureza morta quando se aprende a desenhar, aquela que se põe como modelo para estudo de luz e sombra, para noções de escala, é o bê-a-bá da representação."
No entanto, Silveira, com a "lição", não trata apenas do que se aprende em uma sala de aula. "Colocar essa obra gigante numa galeria de arte e encher de sombras esse lugar com uma natureza morta coloca a ironia no espaço de arte", diz a artista, ao transformar as escalas da galeria.
A crítica é clara e dá continuidade à sua narrativa poética: "No meu caso, a critica está ligada a questões do conhecimento, da percepção e da estranheza da percepção, da metamorfose".


A LIÇÃO - instalação de Regina Silveira. Quando: seg (12/8), às 20h; de ter a sáb, das 11h às 19h. Até 28/9. Onde: galeria Brito Cimino (r. Gomes de Carvalho, 842, SP, tel. 0/xx/ 11/3842-0634). Grátis


EMOÇÃO ART.FICIAL - exposição coletiva, com instalação de Regina Silveira. Quando: sáb, às 22h; de ter a sex, 10h às 21h; sáb e dom., das 10h às 19h. Até 13/10. Onde: Itaú Cultural (av. Paulista, 149, SP, tel. 0/ xx/ 11/3268-1776). Grátis


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