São Paulo, segunda-feira, 05 de agosto de 2002

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ANÁLISE

A perspectiva como fio condutor

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

Regina Silveira desafia nosso sistema nervoso. Impede a sensação de naturalidade frente às figuras traçadas em perspectiva, pois cria situações em que a mente não consegue imaginar um centro. A artista gaúcha adotou o desenho como principal foco de pesquisa nos anos 70. Antes, bebera no expressionismo estudando pintura com Iberê Camargo e ampliara o vocabulário técnico questionando as mídias plásticas tradicionais em consonância com a Nova Objetividade Brasileira.
A desconfiança para com os padrões definidores da arte aproximou-a da herança de Duchamp: que mecanismos de poder se escondem por trás de critérios estéticos aparentemente inquestionáveis? O primado da perspectiva surgiu, então, como fio condutor de uma trajetória rigorosa e engajada. O iludir da visão por meio de um sistema projetivo era análogo à cortina de censura que pairava sobre São Paulo quando ela aqui se estabeleceu em 1973.
Seguiu-se o desmonte da ordem gráfica. Esquemas geométricos figuravam símbolos de opressão diversa: massificação urbana, armamentismo, vida doméstica.
As décadas de 80 e 90 trouxeram o desafio da democracia e o da internacionalização crescente da arte paulistana. Apareceram, então, sombras deformadas segundo cálculos precisos que se estendiam como fantasmas de um foco de luz impossível.
Do ponto de vista político, a artista expandiu a problematização às raízes autoritárias da América Latina. A discussão do poder na arte globalizada fundiu-se ao trabalho sobre a arquitetura dos espaços expositivos. O estranhamento ante lugares supostamente neutros é obtido pela deformação visual de janelas e pisos, quando confrontados com as próprias sombras agigantadas. Qual gabinete do Dr. Caligari, o mundo da arte alonga as garras nas instalações com recortes de vinil.
As questões pessoais frutificaram um amplo diálogo. Ao longo de 30 anos, Silveira tem lecionado para gerações de artistas, que retribuíram o rigor da mestra com obras de evidente filiação. Ana Tavares, Caetano de Almeida, Iran do Espírito Santo e Mônica Nador são alguns dos alunos que provaram a densidade do aprendizado pela ampliação contínua dos horizontes reflexivos.


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