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ANÁLISE
A perspectiva como fio condutor
FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA
Regina Silveira desafia nosso
sistema nervoso. Impede a
sensação de naturalidade frente às
figuras traçadas em perspectiva,
pois cria situações em que a mente não consegue imaginar um
centro. A artista gaúcha adotou o
desenho como principal foco de
pesquisa nos anos 70. Antes, bebera no expressionismo estudando pintura com Iberê Camargo e
ampliara o vocabulário técnico
questionando as mídias plásticas
tradicionais em consonância com
a Nova Objetividade Brasileira.
A desconfiança para com os padrões definidores da arte aproximou-a da herança de Duchamp:
que mecanismos de poder se escondem por trás de critérios estéticos aparentemente inquestionáveis? O primado da perspectiva
surgiu, então, como fio condutor
de uma trajetória rigorosa e engajada. O iludir da visão por meio de
um sistema projetivo era análogo
à cortina de censura que pairava
sobre São Paulo quando ela aqui
se estabeleceu em 1973.
Seguiu-se o desmonte da ordem
gráfica. Esquemas geométricos figuravam símbolos de opressão
diversa: massificação urbana, armamentismo, vida doméstica.
As décadas de 80 e 90 trouxeram o desafio da democracia e o
da internacionalização crescente
da arte paulistana. Apareceram,
então, sombras deformadas segundo cálculos precisos que se estendiam como fantasmas de um
foco de luz impossível.
Do ponto de vista político, a artista expandiu a problematização
às raízes autoritárias da América
Latina. A discussão do poder na
arte globalizada fundiu-se ao trabalho sobre a arquitetura dos espaços expositivos. O estranhamento ante lugares supostamente
neutros é obtido pela deformação
visual de janelas e pisos, quando
confrontados com as próprias
sombras agigantadas. Qual gabinete do Dr. Caligari, o mundo da
arte alonga as garras nas instalações com recortes de vinil.
As questões pessoais frutificaram um amplo diálogo. Ao longo
de 30 anos, Silveira tem lecionado
para gerações de artistas, que retribuíram o rigor da mestra com
obras de evidente filiação. Ana
Tavares, Caetano de Almeida,
Iran do Espírito Santo e Mônica
Nador são alguns dos alunos que
provaram a densidade do aprendizado pela ampliação contínua
dos horizontes reflexivos.
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