São Paulo, sábado, 05 de agosto de 2006

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

Azul derramado e silêncio contido

Saem o romance de estréia do engenheiro Eduardo Pires de Camargo e volume de poemas em prosa de Siscar

EDITORAS PARCEIRAS, a 7 Letras e a Cosacnaify lançam respeitável balaio de 11 títulos. Ampliam-se as coleções "Ás de Colete" (poesia, Cosacnaify), "Rocinante" (prosa, 7 Letras) e "Guizos" (poesia, 7 Letras), dedicadas à produção contemporânea e com tônica na diversidade. Entre eles, estão o romance de estréia do engenheiro paulista Eduardo Pires de Camargo, "Azul", e o volume de poemas em prosa "O Roubo do Silêncio", do poeta, tradutor e professor de literatura Marcos Siscar, cuja poesia anterior foi reunida em "Metade da Arte" (Cosacnaify, 2003).
"Azul" se inscreve, à primeira vista, em ilustre linhagem moderna das narrativas corrosivas em torno de anti-heróis amesquinhados pelo cotidiano, engolidos pelas engrenagens da burocracia, mas escorrega num maniqueísmo excessivo. Narrado em primeira pessoa, tocado a frases nominais curtas e cartoriais e tom melancólico, traz no primeiro plano um percevejo urbano, contador infeliz e anônimo, preso a roupas mal cortadas, um emprego insosso e um quarto de pensão infecto.
Esse poço de ressentimentos e mágoas acaba por transbordar, levando o protagonista, em desabalada carreira, a improvável cenário e companhia. Com tempo para meditar, vê-se abrigado de chuvas torrenciais num bordel de morro, à beira-mar, junto a um padre, uma alpinista, um entomólogo e, naturalmente, Madame e suas meninas. A chuva passa, mas a revelação fica: o funcionário reconcilia-se com o artista latente em si, abraça um novo amor e parte rumo a um destino menos sombrio, azulado final feliz. Os saltos alegóricos abruptos desta narrativa de redenção casam mal com um realismo psicologizante, de fundo ingênuo, prendendo a personagem ao esquematismo dos tipos.
Já em "O Roubo do Silêncio", a violência da experiência contemporânea aflora como perplexidade lingüística, à beira da mudez interdita, como medida alcançada do inominado. A expressão possível é fragmentária e tateante, lírica invadida pela prosa do mundo, testando, elástica e baudelaireana, os limites da identidade, entre o eu e o outro, a coisa e a palavra. Remoer-se pelo resultado é a regra do jogo, em busca de fal(h)ar melhor: "O silêncio é o sofrimento da palavra, quando a poesia do silêncio lhe é roubada. A vingança dos desapropriados é o barulho da prosa do mundo. Se eu pudesse falar, pegaria andorinhas em vôo", diz o poema-título do livro.
Seja invadida pelo banal da vegetação rasteira, do galo ciscando, do fim de dia em cidade estrangeira ou pelo flagrante do corpo de um imigrante morto, a poesia de Siscar (culta e de discreta comoção, como anota João Adolfo Hansen, na orelha) habita o "como", a linguagem do impasse, experimentada sem concessões. Arquitetado e irônico, não abdica da eficiência da simplicidade.


AZUL   
Autor: Eduardo Pires de Camargo
Editora: 7 Letras
Quanto: R$ 29 (172 págs.)

O ROUBO DO SILÊNCIO     
Autor: Marcos Siscar
Editora: 7 Letras
Quanto: R$ 18 (68 págs.)


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