São Paulo, quinta-feira, 05 de agosto de 2010

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NINA HORTA

Livro de férias


Um editor mais crítico usaria a tesoura, mas é interessante para gente que gosta de comer e viajar

VOU SAIR uns 15 dias de férias do bufê. Sair é modo de dizer. Não saio, fico. Acho que férias é ficar em casa pondo ordem em estante, se der vontade, lendo o que der na telha, assistindo a uns filminhos, dormindo tarde para burro e acordando mais tarde ainda.
Já embalada pela ideia de férias tão emocionantes, achei um livro que me mandaram da Zahar, há uns 15 dias. "Aprendiz de Cozinheiro", de Bob Spitz, autor do best- seller "The Beatles". E, por coincidência, estava escrito na capa que era um livro que se podia ler nas férias. Sem compromisso, sem lenço nem documento, divertido. E ainda dizia "inclui receitas".
Depois da onda que deu de literatura com receitas, enjoei do gênero para sempre. Gosto da Nora Ephron, da Allende (menos, um pouco, em gastronomia) e chega. Bom, moral da história para pessoas muito vorazes, passei a noite lendo as 300 páginas, acabei e pronto, não tenho mais livro de férias.
O autor é um sujeito acabado de se separar da mulher, remoendo a dor de cotovelo e com uma namorada insuportável. Tão nervoso estava com a situação que pensou nesta aventura-empreitada de ficar três meses na Europa fazendo os cursos de culinária mais famosos e alguns estágios em restaurantes e hotéis de muitas estrelas. Não é o sonho mais recôndito de todo autodidata impossibilitado de voltar para trás na vida e começar tudo de novo?
Como poderia dizer que o livro é ruim? Nesta altura, toda leitura que prenda a atenção da primeira à última página, um "page turner" como dizem os americanos, não pode ser chamada de ruim. Um editor mais crítico usaria a tesoura com mais frequência, mas é um livro interessante para iniciantes, gente que gosta de comer e viajar.
Retrata bem as escolas, os restaurantes, os chefs arrogantes, os chefs amorosos e parece que as receitas são boas. Apesar de ter mais de abobrinha do que merecemos.
Spitz é um grande comilão. Adora tudo. O foie gras estaria tão bom, o coelho, o molho de tomate? Não sei.
Aproveitou, e muito, e até tirou umas lições da cozinha e encaixou na sua vida que andava tão fora dos eixos. Disciplina, equilíbrio, autocontrole, aqui e agora, coisas assim.
Vejam como escreve. "Dividimos pratos borgonheses especiais naquele dia, recomendados pela atendente -alguns miolos na chapa e iscas de codorna ligeiramente grelhadas, marinadas num balsâmico fundo, deglaçado, ácido e picante-, e depois a galinha de Bresse preparada à moda do chef, cozida em molho de mostarda em grãos, que chegou numa grande caçarola de barro."
"Aquilo era tudo o que uma galinha deveria ser, com um sabor substancial e rico, porém simples, sem qualquer pretensão. E, quando o chef mandou umas batatas gratinadas borbulhando em gordura de bacon, com cheiro de alecrim e alho, seria realmente difícil manifestar qualquer objeção àquela forma de cozinhar."
Pois viram? Os pratos dos quais dá receita são todos muito básicos e simples de fazer, mas a descrição enche a boca de água. Enfim, livro de férias no fim delas.
Se alguém quiser refazer a aventura dele, deixou o endereço de quem planejou sua viagem: thein ternationalkitchen.com. Boa aventura, enquanto durmo.

ninahorta@uol.com.br


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