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"Vi estruturas retorcidas. E uma montanha de cadáveres"
da Reportagem Local
Takashi Morita é um homem de
sorte.
Sobreviveu a uma bomba atômica que matou 140 mil pessoas
numa cidade com 340 mil habitantes.
Casou-se com outra sobrevivente e teve dois filhos perfeitos,
numa época em que defeitos congênitos em bebês eram comuns.
Aos 75 anos, tem saúde invejável: trabalha de manhã e de tarde
no caixa da mercearia de sua família, na zona sul de São Paulo.
De noite, dá uma olhada no restaurante do qual é sócio, no bairro
da Conceição, onde sempre toma
uma cerveja com a refeição.
Mas Morita também foi vítima
de um azar. E dos grandes: em
1945, era policial militar em Tóquio. Pediu remanejamento para
Hiroshima e chegou lá no dia 1º
de agosto, cinco dias antes da
bomba.
Ao mudar de cidade, Morita,
então com 21 anos, buscava dois
objetivos: distância dos bombardeios regulares que Tóquio sofria
e proximidade de seus pais, que
moravam em uma pequena cidade próxima de Hiroshima.
No caminho para o novo quartel, o policial tinha visto diversas
cidades queimando e, ao chegar,
se espantou com o bom estado de
Hiroshima. "Acho que eles estavam guardando para a bomba
atômica", diz hoje.
8h15, 6 de agosto de 1945
Na noite do dia 5, nem Morita
nem os 200 policiais que serviam
no quartel dormiram bem.
"Aviões voaram toda a noite.
Achamos que viria bombardeio."
Seus superiores logo tomaram
as providências: mandaram um
grupo de dez polícias cavar abrigos anti-aéreos num bairro próximo ao centro. Às 8h, Morita já havia tomado café da manhã e estava na rua com seus nove colegas.
Pegaram um bonde e desceram
no terceiro ponto. "Íamos em fila
indiana quando surgiu uma claridade muito grande pelas nossas
costas. Não houve som nenhum,
não sentimos nada e fomos arremessados ao chão."
Eram 8h15, e a bomba havia explodido a 580 metros de altura,
sobre o centro da cidade. Apelidada de "Little Boy", tinha três metros e levava em sua barriga 60
quilos de urânio enriquecido. A
explosão matou 140 mil pessoas,
10% delas por radiação.
Algo que Morita jamais tinha
ouvido falar até aqueles dias. Assim que se recobrou do tombo,
recolocou um colega atordoado
na fila indiana e seguiram caminho. Morita chegou a pensar que
a explosão era num depósito de
fogos de artifício que havia ali.
Pouco depois, percebeu que o
céu estava escuro, quase noturno.
As casas estavam aos pedaços e
começavam a queimar. Morita e
seus colegas tiraram uma mulher
e um bebê do meio de escombros.
Em seguida, começou a chuva
negra, com partículas que a explosão libera. "Pensamos que era
óleo despejado pelos americanos
para nos queimar."
Lá pelo meio-dia, o policial foi
ao centro da cidade, tentar verificar o que havia ocorrido. "Vi prédios queimados, estruturas retorcidas, pedaços de colunas. E uma
montanha de cadáveres."
Dois dias depois, Morita foi
hospitalizado para tratar de suas
queimaduras na nuca. No dia seguinte, uma segunda bomba, esta
apelidada "Fat Man", com oito
quilos de plutônio, explodiu em
Nagasaki.
Ainda estava no hospital quando o Japão se rendeu, dias depois.
Voltou para a casa dos pais, virou
relojoeiro, casou-se no ano seguinte e teve dois filhos.
Acabou por aqui em 1956,
quando um japonês que vivia no
Brasil apareceu em sua loja. "Ele
tinha ido ao Japão porque não
acreditava que tínhamos perdido
a guerra. Quis ver com os próprios olhos."
Convencido das oportunidades
em terras brasileiras, Morita veio,
mas por anos escondeu ser sobrevivente da bomba. "Esperei meus
filhos se casarem", explica. "Há
muito preconceito."
Em 84, criou sua Associação das
Vítimas de Bomba Atômica no
Brasil. Na época, conhecia uns 20
sobreviventes. Conseguiu que
três jornais japoneses de São Paulo publicassem matérias sobre a
associação. Meses depois, chegavam cartas até Bolívia. Em 1988,
estavam cadastradas 188 pessoas.
Hoje, restam cerca de 160.
(IF)
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