São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2008

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Homem de sorte, teve senso agudo do teatro

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Fernando Torres foi um homem de sorte. Vários foram os atores que, como ele, souberam tirar partido de qualidades indispensáveis à profissão, como a inteligência, a tenacidade, o senso de humor, a erudição. Poucos, no entanto, tiveram o senso tão agudo de outra necessidade básica do teatro: o companheirismo, o interesse no talento alheio, o empenho em incentivar os jovens e garantir as melhores condições para o trabalho de amigos de vida inteira.
E que amigos! Há Sérgio Britto, que estreou com ele em "A Dama da Madrugada"; Fernanda Montenegro, companheira de vida inteira e Gianni Ratto, que o dirigiu na histórica montagem "O Canto da Cotovia".
Foi na própria companhia, o Teatro dos Sete, que fundou com os amigos, que ganhou seu primeiro prêmio enquanto diretor, com "O Beijo no Asfalto" de Nelson Rodrigues (1961).
Com o fim do Teatro dos Sete, em 1966, retoma a direção por uma década de sucessos, enfrentando textos difíceis, como "A Volta ao Lar" de Harold Pinter (1968) e "O Inimigo do Povo" de Ibsen (1969). São dessa época também as parcerias com o Millor Fernandes e Celso Nunes, que o dirigiu em "O Interrogatório" de Peter Weiss e "A Longa Noite de Cristal" de Oduvaldo Vianna Filho, ambos em 1970, assim como em "Seria Cômico...Se Não Fosse Sério" de Durrenmatt, que estreou em 1973 e ficou em temporada até 1976, em São Paulo, onde ganha um prêmio de melhor ator.
Sua façanha inesquecível, junto a Fernanda Montenegro, foi a de ter superado a mesquinharia abominável da censura militar, que proibiu em 1973 a estréia de Calabar, de Chico Buarque e Ruy Guerra, depois de ter liberado o texto, justamente para provocar um prejuízo máximo. Em poucos dias, levantou a produção de "O Amante de Madame Vidal", um texto aparentemente acima de qualquer suspeita, mas que ele, brechtianamente, acrescentou comentários irônicos em cena aberta, fazendo da montagem um espetáculo de eficiente crítica social.
Com sua lealdade e entusiasmo pelo teatro, associados a seu marcante senso de humor (de quem sua filha Fernanda Torres é herdeira), Fernando Torres é patrimônio eterno do teatro brasileiro.


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