|
Texto Anterior | Índice
Homem de sorte, teve senso agudo do teatro
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Fernando Torres foi um homem de sorte. Vários foram os
atores que, como ele, souberam
tirar partido de qualidades indispensáveis à profissão, como
a inteligência, a tenacidade, o
senso de humor, a erudição.
Poucos, no entanto, tiveram o
senso tão agudo de outra necessidade básica do teatro: o companheirismo, o interesse no talento alheio, o empenho em incentivar os jovens e garantir as
melhores condições para o trabalho de amigos de vida inteira.
E que amigos! Há Sérgio Britto, que estreou com ele em "A
Dama da Madrugada"; Fernanda Montenegro, companheira
de vida inteira e Gianni Ratto,
que o dirigiu na histórica montagem "O Canto da Cotovia".
Foi na própria companhia, o
Teatro dos Sete, que fundou
com os amigos, que ganhou seu
primeiro prêmio enquanto diretor, com "O Beijo no Asfalto"
de Nelson Rodrigues (1961).
Com o fim do Teatro dos Sete, em 1966, retoma a direção
por uma década de sucessos,
enfrentando textos difíceis, como "A Volta ao Lar" de Harold
Pinter (1968) e "O Inimigo do
Povo" de Ibsen (1969). São dessa época também as parcerias
com o Millor Fernandes e Celso Nunes, que o dirigiu em "O
Interrogatório" de Peter Weiss
e "A Longa Noite de Cristal" de
Oduvaldo Vianna Filho, ambos
em 1970, assim como em "Seria
Cômico...Se Não Fosse Sério"
de Durrenmatt, que estreou em
1973 e ficou em temporada até
1976, em São Paulo, onde ganha
um prêmio de melhor ator.
Sua façanha inesquecível,
junto a Fernanda Montenegro,
foi a de ter superado a mesquinharia abominável da censura
militar, que proibiu em 1973 a
estréia de Calabar, de Chico
Buarque e Ruy Guerra, depois
de ter liberado o texto, justamente para provocar um prejuízo máximo. Em poucos dias,
levantou a produção de "O
Amante de Madame Vidal", um
texto aparentemente acima de
qualquer suspeita, mas que ele,
brechtianamente, acrescentou
comentários irônicos em cena
aberta, fazendo da montagem
um espetáculo de eficiente crítica social.
Com sua lealdade e entusiasmo pelo teatro, associados a seu
marcante senso de humor (de
quem sua filha Fernanda Torres é herdeira), Fernando Torres é patrimônio eterno do teatro brasileiro.
Texto Anterior: Ator Fernando Torres morre aos 80 no Rio Índice
|