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Plácido 'Sonho Azul' revisa horrores chineses
LÚCIA NAGIB
da Equipe de Articulistas
Não espere encontrar em "Sonho Azul" o mesmo aspecto espetacular que constitui o atrativo do
grande público em outros filmes
chineses recentes. Nada de beldades à Gong Li, nada de requintadas
cenas de ópera ou lanternas vermelhas, como nas obras de Zhang
Yimou e Chen Kaige.
O diretor de "Sonho Azul", Tian
Zhuangzhuang, tão célebre quanto esses seus colegas da chamada
"quinta geração" chinesa, prefere
a sobriedade e a modéstia, embora
com pretensões não menos grandiosas.
O cenário pobre, os rostos lavados, a quase ausência de música e a
sistemática falta de dramatização
mesmo das cenas violentas não escondem o fôlego alentado do diretor.
Tanto quanto seus conterrâneos,
Zhuangzhuang quer contar a história da China pós-Mao, com todos os seus detalhes políticos e, sobretudo, todos os seus horrores.
O início dispersivo, que custa a
revelar o verdadeiro foco da história, não passa de uma armadilha
para envolver o espectador nos
tentáculos invisíveis do sistema
chinês, que contaminam os menores atos da população.
É por meio da saga de uma família simples, em tudo semelhante
aos seus vizinhos e comunidade,
que o diretor narra sua visão da
história recente do país.
Fecundidade de histórias
O que logo se percebe é que
Zhuangzhuang, a exemplo de seus
contemporâneos, está transbordando de histórias para contar -o
que é talvez o maior trunfo do cinema chinês, que passou como
um trator por cima do cinema
não-narrativo e metalinguístico
europeu.
Em mais de duas horas de filme,
"Sonho Azul" não esgota nem
mesmo a infância de seu protagonista, Tietou, que rememora sua
triste história de menino em três
fases: com o pai, o tio e o padrasto.
Uma estrutura eminentemente
patriarcal que, sem desvalorizar o
papel da mãe -personagem fundamental para o menino-, revela
que os homens eram (e devem ser
até hoje) o alvo principal da fúria
repressiva do comunismo.
A narrativa tem início em 1953,
ano da morte de Stálin e do casamento dos pais de Tietou.
Portanto, sua primeira infância é
marcada pelo que se chamou de
"movimento de retificação", em
meados dos anos 50, quando a população era incitada a declarar
suas críticas ao regime.
Tratava-se na verdade de uma
armadilha, pois os que ousavam se
abrir (dentre estes o pai de Tietou)
eram imediatamente identificados
como anti-revolucionários e enviados para campos de trabalhos
forçados.
Pipa
A segunda parte do filme se refere ao "grande salto para frente",
quando toda a população, inclusive mulheres com filhos pequenos,
teve que trabalhar no campo, em
péssimas condições, para levantar
a economia do país.
Nesse esforço coletivo, o tio de
Tietou, espécie de substituto paterno, torna-se vítima de um mal
incurável.
Na última parte do longa, vemos
a caça implacável aos "direitistas", isto é, aos intelectuais, como
o padrasto de Tietou, que começava a lhe oferecer um certo conforto
caseiro.
Assim, o sonho infantil do garoto, que vê se esfacelarem seus modelos masculinos, não consegue
ultrapassar uma pipa azul rasgada.
Uma metáfora kitsch, talvez,
mas dentro de um filme sério, enxuto, cruel em sua placidez e destruidor em sua simplicidade.
Não admira que até hoje seja
proibido na China.
Filme: Sonho Azul
Produção: China, 1993
Direção: Tian Zhuangzhuang
Com: Yi Tian, Zhang Wenyao, Chen
Xiamoman, Lu Liping
Quando: a partir de hoje, no Cinearte 1
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