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Falsidade é vedete de "Importância"
especial para a Folha
Bernard Shaw
detestou "A Importância de Ser
Prudente". Disse que a peça
não lhe dizia nada. Prima do
vaudeville e das
comédias da restauração, ela de fato nada representa, nada significa,
não pretende ser nada. A obra, entretanto, não só é a melhor peça de
Wilde, ao lado de "Salomé", mas
também se destaca como uma das
maiores comédias inglesas de todos os tempos, incluindo-se no rol
as de Shakespeare.
Como em grande parte dos trabalhos de Wilde, "A Importância"
baseia-se num mal-entendido, ou
ainda, numa "misconception"
-uma concepção errada, um
equívoco.
No plano da escrita, a "misconception" gera as famosas frases de
duplo sentido, o paradoxo, o jogo
de palavras. No plano fabular, a situação típica é a do personagem
que acredita num conceito, numa
crença ou num fato, que depois se
descobre falso.
A falsidade é a vedete de "A Importância de Ser Prudente". Os
personagens mentem o tempo todo. Dois rapazes dizem ser um tal
de Prudente, para conquistar o
amor de duas donzelas. Pela ocultação da verdade, a identidade de
um dos rapazes só é revelada no final. Quando todo mundo imagina
que ele não é Prudente, a verdade
mostra que ele, afinal, sempre fora
Prudente!
O terreno do amoralismo lúdico
em que transitam os personagens,
a calma com que enfrentam as situações mais absurdas, a desfaçatez com que mentem, trapaceiam,
amam e perseguem seus objetivos,
inspiraram, por exemplo, as comédias de Joe Orton e até o cinema de
Pedro Almodóvar.
O problema está na tradução.
Não que esta, de Guilherme de Almeida e Werner Loewenberg, não
seja boa. A questão é outra: é possível obter uma versão razoável, em
português, de "A Importância de
Ser Prudente"?
A começar pelo título. O trocadilho, em inglês, dá-se entre "earnest" e o nome Ernest (Ernesto). O
adjetivo "earnest" traduz-se como
sério, honesto, implicando qualidades de profundidade, de determinação. Ou seja, o oposto do modo como agem os personagens.
Eles mentem, são rasos, moralmente fracos e irresolutos. A sinceridade passa longe. "Prudente"
desloca o sentido da oposição entre honestidade e falsidade. Talvez,
para sermos um milímetro mais
fiéis, pudéssemos falar em "A Importância de Ser Franco".
Mas o jogo de palavras e o duplo
sentido constituem só uma das dificuldades. A outra reside na fala
dos personagens. Em inglês, os
diálogos não soam forçados. A tradução procura captar a nota superior, mas derrapa no preciosismo.
Como tangenciar a intenção do
original? Para Walter Benjamim, a
solução está em não se prender demais ao texto estrangeiro, em buscar a reverberação do original no
terreno mais amplo e fugidio da
linguagem, expandindo os limites
da língua em que se traduz.
Almeida se esforça para ser Wilde, mas sua tradução cria um Wilde que não existe em inglês, e lhe é
inferior. Fosse mais Guilherme de
Almeida, o resultado seria outro, e
quiçá melhor. Talvez o poeta devesse mesmo ter rasgado o título
em português e deixado de vez de
ser prudente.
(MP)
Livro: A Importância de Ser Prudente
Autor: Oscar Wilde
Tradutores: Guilherme de Almeida e
Werner J. Loewenberg
Lançamento: Civilização Brasileira
Quanto: R$ 13,50 (96 págs.)
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