São Paulo, sábado, 5 de setembro de 1998

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Falsidade é vedete de "Importância"

especial para a Folha

Bernard Shaw detestou "A Importância de Ser Prudente". Disse que a peça não lhe dizia nada. Prima do vaudeville e das comédias da restauração, ela de fato nada representa, nada significa, não pretende ser nada. A obra, entretanto, não só é a melhor peça de Wilde, ao lado de "Salomé", mas também se destaca como uma das maiores comédias inglesas de todos os tempos, incluindo-se no rol as de Shakespeare.
Como em grande parte dos trabalhos de Wilde, "A Importância" baseia-se num mal-entendido, ou ainda, numa "misconception" -uma concepção errada, um equívoco.
No plano da escrita, a "misconception" gera as famosas frases de duplo sentido, o paradoxo, o jogo de palavras. No plano fabular, a situação típica é a do personagem que acredita num conceito, numa crença ou num fato, que depois se descobre falso.
A falsidade é a vedete de "A Importância de Ser Prudente". Os personagens mentem o tempo todo. Dois rapazes dizem ser um tal de Prudente, para conquistar o amor de duas donzelas. Pela ocultação da verdade, a identidade de um dos rapazes só é revelada no final. Quando todo mundo imagina que ele não é Prudente, a verdade mostra que ele, afinal, sempre fora Prudente!
O terreno do amoralismo lúdico em que transitam os personagens, a calma com que enfrentam as situações mais absurdas, a desfaçatez com que mentem, trapaceiam, amam e perseguem seus objetivos, inspiraram, por exemplo, as comédias de Joe Orton e até o cinema de Pedro Almodóvar.
O problema está na tradução. Não que esta, de Guilherme de Almeida e Werner Loewenberg, não seja boa. A questão é outra: é possível obter uma versão razoável, em português, de "A Importância de Ser Prudente"?
A começar pelo título. O trocadilho, em inglês, dá-se entre "earnest" e o nome Ernest (Ernesto). O adjetivo "earnest" traduz-se como sério, honesto, implicando qualidades de profundidade, de determinação. Ou seja, o oposto do modo como agem os personagens. Eles mentem, são rasos, moralmente fracos e irresolutos. A sinceridade passa longe. "Prudente" desloca o sentido da oposição entre honestidade e falsidade. Talvez, para sermos um milímetro mais fiéis, pudéssemos falar em "A Importância de Ser Franco".
Mas o jogo de palavras e o duplo sentido constituem só uma das dificuldades. A outra reside na fala dos personagens. Em inglês, os diálogos não soam forçados. A tradução procura captar a nota superior, mas derrapa no preciosismo.
Como tangenciar a intenção do original? Para Walter Benjamim, a solução está em não se prender demais ao texto estrangeiro, em buscar a reverberação do original no terreno mais amplo e fugidio da linguagem, expandindo os limites da língua em que se traduz.
Almeida se esforça para ser Wilde, mas sua tradução cria um Wilde que não existe em inglês, e lhe é inferior. Fosse mais Guilherme de Almeida, o resultado seria outro, e quiçá melhor. Talvez o poeta devesse mesmo ter rasgado o título em português e deixado de vez de ser prudente. (MP)


Livro: A Importância de Ser Prudente
Autor: Oscar Wilde
Tradutores: Guilherme de Almeida e Werner J. Loewenberg
Lançamento: Civilização Brasileira
Quanto: R$ 13,50 (96 págs.)



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