São Paulo, sábado, 05 de outubro de 2002

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"FOLHA EXPLICA JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA"

Trajetória do diretor teatral é apresentada em registro acessível

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Não é difícil escrever sobre José Celso Martinez Corrêa. A radicalidade de suas propostas para o teatro provoca ou um endosso apaixonado ou um repúdio raivoso, por isso fez e fará correr muita tinta. Mais difícil é explicar Zé Celso, ainda mais "resumindo, em linguagem acessível", como é a meta da série Folha Explica.
Coube a Aimar Labaki o desafio de escrever o "Folha Explica José Celso Martinez Corrêa". Curiosamente, o livro é frágil quando tenta explicar, lançando mão de alusões a uma série de teóricos importantes para o entendimento da trajetória do biografado e de seu teatro Oficina, mas que, na tentativa de acessibilidade e resumo, acaba não esclarecendo o leigo e indispondo o especialista. Dessa maneira, é confusa a conceituação do método Stanislavski, e Jerzy Grotowski é apontado como "a primeira alternativa consistente à tradição de Stanislavski", escamoteando-se, entre outros, Meyerhold.
A necessidade de concisão leva assim a generalidades e erros conceituais e quando, logo no início, José Celso é apontado como o "primeiro grande encenador da história do teatro brasileiro", a afirmação categórica incomoda não tanto pelo tom laudatório, já que o endosso é saudavelmente assumido, mas por canonizar um criador que justamente prima por colocar no centro do teatro a importância de estar vivo e ser mortal, reinventando a cada dia o teatro, destruindo-o se isso for preciso para reerguê-lo.
Mas Labaki não se limita a beijar o anel do protagonista de "Ela". Seu livro se faz precioso justamente quando abre mão de explicar e passa a expor, com clara cronologia, a trajetória de um encenador de suas próprias contradições, que são as contradições de sua época.
Esse contexto histórico é apresentado de modo imparcial, superando o maniqueísmo quando recusa o rótulo de conservador ao Teatro Brasileiro de Comédia (em feliz concisão, o TBC é conceituado como o que "introduziu a modernidade em nosso profissionalismo -ou vice-versa") e não endossando a pretensão de "guerrilha teatral" do Arena e do Oficina, que era, no fundo, sem que isso diminua sua importância, a "classe média pregando para si mesma".
Em outra fórmula feliz, o político não supera o psicológico quando o Oficina passa da fase stanislavskiana para a brechtiana, mas se "imbrica" a ele, em uma relação de interdependência. Nesse ponto, são preciosas cartas na manga o depoimento exclusivo do amigo de infância Ignácio de Loyola Brandão, revelando o menino Zé Celso fascinado por um Deus que é três em um, "como um doce da Cica", e a apaixonada declaração de amor de Zero Freitas por Noemi Marinho, que conheceu em um "ritual" do Oficina.
A trajetória teatral de José Celso é registrada então enquanto uma aventura compartilhada, e é de lamentar assim a falta de espaço para que se pudesse detalhar melhor o que foi "Cacilda!", por exemplo. Mas, quando a atual luta de José Celso é exposta em seus termos crus -a especulação imobiliária versus uma utopia cidadã-, Labaki deixa para o leitor, quando fecha o livro, a convicção de que o grande momento do teatro Oficina ainda está por vir.


Folha Explica José Celso Martinez Corrêa    
Autor: Aimar Labaki
Lançamento: Publifolha
Quanto: R$ 9,90 (96 págs.)




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