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LIVROS/LANÇAMENTOS
"HOMEM QUE É HOMEM NÃO DANÇA"
Romance de 1984 é reeditado
Norman Mailer confere densidade a policial noir
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Homem que É Homem
Não Dança" é um romance policial inegavelmente inspirado por Raymond Chandler e Dashiell Hammett, mas não menos
inquestionavelmente escrito por
Norman Mailer.
Ou seja: a ambientação, a temática, a caracterização dos personagens, o humor negro, até o estilo
que caracterizam o "roman noir"
americano clássico dos anos 30 e
40 estão presentes. Mas, em vez da
concisão elegante de Hammett,
aparece o caudaloso rio de palavras que tornam os livros de Norman Mailer tão literalmente pesados. No lugar da simplicidade
narrativa, espaço para considerações metafísicas. Em vez de violência apenas sutilmente sugerida, descrições escatológicas.
Evidentemente, o leitor tem
vantagens e desvantagens com essas trocas. Mailer é denso, instiga
reflexões que podem ser produtivas. Mas pode se tornar aborrecido, soar pretensioso e às vezes seu
enredo é incompreensível.
Nada disso é novidade para
quem conhece bem o trabalho
desse intelectual notável, do tipo
"maior que a vida". Nada é modesto ou pequeno para Mailer,
nem mesmo um livro intencionalmente menor, como este. "Homem que É Homem Não Dança",
de 1984 (já publicado antes no
país com o título "Os Machões
Não Dançam"), não foi escrito para cumprir a promessa nunca realizada de escrever "o maior romance americano".
Nem mesmo sua melhor obra
de ficção, "Os Nus e os Mortos",
atingiu esse objetivo. Foi no terreno do ensaio e do novo jornalismo que Mailer deixou sua contribuição mais importante para as
letras do século 20. Foram "Os
Degraus do Pentágono", "A Canção do Carrasco", "A Luta" que fizeram de Mailer um personagem
compatível com a sua ambição.
Mas não é só a curiosidade em
torno do autor que justifica a leitura de "Homem que É Homem".
Embora a história seja um pouco
frouxa para um legítimo policial,
tem surpresas desconcertantes e
mantém questões que seguram a
atenção ao longo de quase todas
as páginas: será que o personagem principal com muitos tons
autobiográficos de fato matou a
mulher?, será mesmo dela a cabeça que ele achou em seu carro
após uma longa noite de muito cigarro e bourbon?
A maior recompensa da leitura
dessa ficção de Mailer são as pinceladas do ensaísta, as muitas observações sobre os EUA e a condição humana que os personagens
vão fazendo em meio à trama.
Como a comparação entre dois
vícios dificílimos de abandonar: o
fumo e o casamento. Ou a constatação de que em Provincetown,
cidadezinha da costa de Massachusetts onde desembarcaram
pela primeira vez os peregrinos
ingleses que constituiriam a nação americana, a única construção no exato ponto de sua chegada era um imenso motel. Ou a observação de que "as louras acham
obsceno não se comportar como
anjos ou putas cada opção deve
estar igualmente disponível".
Essa é a graça de Norman Mailer, um dos fundadores do "Village Voice", o editor de "Dissent",
um dos animadores do movimento contra a Guerra do Vietnã.
Embora às vezes pareça ter-se
rendido à doutrina do politicamente correto sem jamais perder
a "grandeur" (seu mais recente livro, "O Evangelho Segundo o Filho", é uma bem comportada reconstrução do Novo Testamento
em que o autor é Jesus), Mailer é
capaz de resistir à unanimidade
burra, como provou ao se alinhar
entre os poucos intelectuais americanos que se recusaram a engrossar os clamores chauvinistas
que se seguiram ao 11 de setembro
de 2001 naquele país.
Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor
Econômico"
Homem que É Homem Não Dança
Autor: Norman Mailer
Editora: Record
Quanto: R$ 35 (320 págs.)
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