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"PEDAÇO DE MIM"
Obra revela charme transgressor
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Existe um livro não muito
bom de Mário de Andrade
chamado "Há uma Gota de Sangue em Cada Poema". Se sangue
também significa vida, instinto,
energia, então podemos parafrasear o poeta e dizer que há uma
gota de sangue em cada ensaio de
"Pedaço de Mim", novo livro do
ex-cineasta da Boca do Lixo, roteirista, dramaturgo e escritor
João Silvério Trevisan.
O leitor não deve procurar distanciamento nesses textos, escritos ao longo de mais de 20 anos.
Desde o título o autor se apresenta
como personagem ou observador
interessado. Há uma franqueza
nas suas opiniões que beira a deselegância, como se Trevisan quisesse preservar a aura de "maldito", mesmo quando hoje já virou
verbete de enciclopédia.
Um detalhe significativo nesse
sentido diz respeito à notação dos
ensaios não publicados. Na maioria, lemos que se trata de texto recusado. A informação parece indicar que se trata de artigo polêmico, destinado a "épater le bourgeois", como o "Por onde andou
Néstor Perlongher". Trevisan expõe sua amizade e posterior rompimento com o ensaísta conhecido por sua obra pioneira em pesquisa das sexualidades, "O Negócio do Michê". Ao se incluir no relato, Trevisan oferece uma visão
menos favorável, mas bem mais
dramática do colega.
Sua experiência é o ponto de
partida de outros artigos, como os
que descrevem sua passagem pelo
cinema marginal. Trevisan defendia uma estética "feia" e "filmes
baratos, caóticos e cheios de imaginação". Há ecos dessa atitude
em "Pedaços de Mim". Sua argumentação por vezes tropeça. Os
textos se contradizem. Esses "cacos" contribuem para o charme
transgressor do livro. Suas arestas
ferem e sangram. Trevisan não se
preocupa em ser coerente ou
equilibrado. À feição da estética
da Boca do Lixo, seus escritos surgem paradoxais, fragmentados,
por vezes panfletários, mas sempre estribados na imaginação.
Pedaço de Mim
Autor: João Silvério Trevisan
Editora: Record
Quanto: R$ 36 (350 págs.)
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