São Paulo, quinta-feira, 05 de outubro de 2006

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NINA HORTA

Uma fruta "vestida para matar"

Todo dia o pêssego me olhava, bonito. Mal pude esperar para mordê-lo. Mas era uma maçaroca sem gosto

VOCÊS NÃO devem estar gostando nada desta série sobre os novos puritanos. Afinal, página gastronômica tem que se preocupar com sabor, com festa, não com nutrição. Mas é justamente o caso de Nina Planck ("Real Food", ed. Bloomsbury), uma das autoras mais simpáticas do grupo, que vem chamar a atenção para o sabor perdido dos alimentos, lembrar do cheiro que invade seu nariz quando pisa num tomateiro da horta e do tomate de casca grossa e sem gosto que compramos. Ou a banana que é deixada amadurecer no pé e que tem o gosto da ur-banana do Éden.
Da última vez que fui a Nova York, e já faz um bom tempo, fiquei hospedada num apartamento e descia para comprar frutas e verduras de um coreano que tinha uma quitanda logo na rua abaixo. E me apaixonei por um pêssego, enorme, amarelo, com um rosado na bochecha. Custava os olhos da cara. Tentei comprar, mas o coreano não deixou. Sem falar nada, sacudiu a cabeça em negativa e foi pondo as outras compras na sacola.
O pêssego ficou lá me esperando e todo dia me olhava, sedutor. Dava para desconfiar que era até de plástico, mas, como em todas as ligações perigosas, ele me parecia cada dia mais bonito e, na véspera, fui contra o coreano num mas-eu-quero-assim-mesmo. Ele sacudiu os ombros e mal pude esperar chegar em casa para morder aquela coisa sumarenta. Adivinharam. Era um couraçado envolvendo uma maçaroca sem gosto, letal, "dressed to kill". Com certeza viera a pé da Pérsia. Por essas e por outras é que você embarca com muita facilidade na promessa e na procura destes paraísos perdidos.
Encomendei livros de autores que vão contra estas teorias naturebas, mas não chegaram ainda. Sei que vai ser difícil acreditar neles, com seus ovos e carnes de galinhas tristes, engaioladas, empapadas de hormônios. E, além de tudo, esses novos puritanos não são contra a técnica, e sim contra os seus desmandos. Mas há que ver os dois lados.
Não que esta Nina Planck seja uma grande escritora, mas foi criada em fazenda, filha de pais universitários que resolveram largar tudo e ser fazendeiros na Virgínia. Só conseguiram começar a manter a família a partir de pequenas feiras orgânicas onde vendiam seus produtos "tradicionais"... À medida que a Planck cresceu, foi para a faculdade, começou a ser influenciada pelas novas modas e tornou-se vegetariana. Algum tempo depois, desgostosa com a falta de sabor e mesmo com a própria saúde, começou a trabalhar por pequenas feiras orgânicas na Inglaterra e voltou à infância naturalíssima de leite tirado na hora. Para sua surpresa, emagreceu e começou a se sentir bem. Resolveu estudar o que era mesmo que os médicos diziam sobre comidas que matam. Acabou se tornando uma defensora (muito convincente), defendendo gordura, ovos, manteiga, banha não hidrogenada (oh, céus!), fazendo uma crítica feroz aos simulacros que chamamos de comida. A mim ela convenceu, afinal. Também, só precisava de um empurrãzinho.
É só não exagerar em nada, comer de tudo (as frutas, folhas e legumes ela manda comer muito, mesmo do empestado bem lavado!!!). Não resolve, mas ajuda. Esperemos o contra-ataque, mas juro que não vou acreditar neles.
Enquanto não chegam, vamos a um caldo impromptu que fiz no dia da eleição, quando os filhos chegaram sem avisar, feito com coco verde (Nina Planck, minha guru, adora leite de coco e banha de coco, não hidrogenada.).
Peguei uma bandejinha de asas de galinha do freezer, uma batata, um cará, três bandejinhas de alho-poró, água e fiz um caldo. Coei as asas, passei por peneira, juntei a água de seis cocos verdes e a polpa em tiras finas.
Reduzi, acrescentei uma avelã de pasta de curry tailandês para dar um pique. Servi fervendo em cumbucas japonesas. Ficou bom, para seis pessoas.


ninahorta@uol.com.br

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