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NINA HORTA
Uma fruta "vestida para matar"
Todo dia o pêssego me olhava, bonito. Mal pude esperar para mordê-lo. Mas era uma maçaroca sem gosto
VOCÊS NÃO devem estar gostando nada desta série sobre
os novos puritanos. Afinal,
página gastronômica tem que se
preocupar com sabor, com festa, não
com nutrição. Mas é justamente o
caso de Nina Planck ("Real Food",
ed. Bloomsbury), uma das autoras
mais simpáticas do grupo, que vem
chamar a atenção para o sabor perdido dos alimentos, lembrar do cheiro que invade seu nariz quando pisa
num tomateiro da horta e do tomate
de casca grossa e sem gosto que
compramos. Ou a banana que é deixada amadurecer no pé e que tem o
gosto da ur-banana do Éden.
Da última vez que fui a Nova York,
e já faz um bom tempo, fiquei hospedada num apartamento e descia para comprar frutas e verduras de um
coreano que tinha uma quitanda logo na rua abaixo. E me apaixonei por
um pêssego, enorme, amarelo, com
um rosado na bochecha. Custava os
olhos da cara. Tentei comprar, mas o
coreano não deixou. Sem falar nada,
sacudiu a cabeça em negativa e foi
pondo as outras compras na sacola.
O pêssego ficou lá me esperando e
todo dia me olhava, sedutor. Dava
para desconfiar que era até de plástico, mas, como em todas as ligações
perigosas, ele me parecia cada dia
mais bonito e, na véspera, fui contra
o coreano num mas-eu-quero-assim-mesmo. Ele sacudiu os ombros
e mal pude esperar chegar em casa
para morder aquela coisa sumarenta. Adivinharam. Era um couraçado
envolvendo uma maçaroca sem gosto, letal, "dressed to kill". Com certeza viera a pé da Pérsia. Por essas e
por outras é que você embarca com
muita facilidade na promessa e na
procura destes paraísos perdidos.
Encomendei livros de autores que
vão contra estas teorias naturebas,
mas não chegaram ainda. Sei que vai
ser difícil acreditar neles, com seus
ovos e carnes de galinhas tristes, engaioladas, empapadas de hormônios. E, além de tudo, esses novos
puritanos não são contra a técnica, e
sim contra os seus desmandos. Mas
há que ver os dois lados.
Não que esta Nina Planck seja
uma grande escritora, mas foi criada
em fazenda, filha de pais universitários que resolveram largar tudo e ser
fazendeiros na Virgínia. Só conseguiram começar a manter a família a
partir de pequenas feiras orgânicas
onde vendiam seus produtos "tradicionais"... À medida que a Planck
cresceu, foi para a faculdade, começou a ser influenciada pelas novas
modas e tornou-se vegetariana. Algum tempo depois, desgostosa com
a falta de sabor e mesmo com a própria saúde, começou a trabalhar por
pequenas feiras orgânicas na Inglaterra e voltou à infância naturalíssima de leite tirado na hora. Para sua
surpresa, emagreceu e começou a se
sentir bem. Resolveu estudar o que
era mesmo que os médicos diziam
sobre comidas que matam. Acabou
se tornando uma defensora (muito
convincente), defendendo gordura,
ovos, manteiga, banha não hidrogenada (oh, céus!), fazendo uma crítica
feroz aos simulacros que chamamos
de comida. A mim ela convenceu,
afinal. Também, só precisava de um
empurrãzinho.
É só não exagerar em nada, comer
de tudo (as frutas, folhas e legumes
ela manda comer muito, mesmo do
empestado bem lavado!!!). Não resolve, mas ajuda.
Esperemos o contra-ataque, mas
juro que não vou acreditar neles.
Enquanto não chegam, vamos a um
caldo impromptu que fiz no dia da
eleição, quando os filhos chegaram
sem avisar, feito com coco verde
(Nina Planck, minha guru, adora leite de coco e banha de coco, não hidrogenada.).
Peguei uma bandejinha de asas de
galinha do freezer, uma batata, um
cará, três bandejinhas de alho-poró,
água e fiz um caldo. Coei as asas, passei por peneira, juntei a água de seis
cocos verdes e a polpa em tiras finas.
Reduzi, acrescentei uma avelã de
pasta de curry tailandês para dar um
pique. Servi fervendo em cumbucas
japonesas. Ficou bom, para seis pessoas.
ninahorta@uol.com.br
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