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O imprevisível horário eleitoral gratuito de 2002
FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha
A esta altura, as eleições acabaram para mim. Ignoro ainda o resultado. Sinto, no entanto, que um certo tipo de encanto sumiu da política eleitoral e creio que foi minha última participação direta.
Não diga dessa água não beberei, você deve estar pensando. Políticos sempre foram
amados, insultados ou desprezados, em todas as épocas. O
que há de novo, para justificar
uma revisão?
Houve um momento de minha vida em que também eu
desprezava os políticos e via o
que se passava no Congresso como cretinismo parlamentar.
Era o momento em que se acreditava numa revolução, e quem
estivesse distante dela estaria
apenas fazendo o jogo do poder.
Observei no exílio novas experiências. Olaf Plame, por exemplo, era um homem respeitado
pelos suecos. Descia a Gamla
Stan, cidade velha de Estocolmo, sozinho, cumprimentando
as pessoas, como se fosse qualquer um.
Além de sua fidelidade à base
política de assalariados, projetava no mundo uma singular
visão da Suécia. Daí, o respeito
dos próprios adversários.
Já não se anda como antigamente. Plame foi assassinado, e
hoje o lugar onde morreu é cultuado por turistas e suecos que
vêm do interior.
Há uma nostalgia de políticos
amados em quem se possa confiar. Mas a conjuntura torna
difícil sua produção.
A experiência eleitoral confirmou para mim que represento
as aspirações de um pequeno
setor do Estado.
Não se trata de uma reflexão
pessoal. Muitos candidatos aumentaram sua votação; outros
mantiveram altos índices de
aprovação nas urnas.
Mas havia pouco colega nas
ruas para sentir que de um modo geral a imagem do político
não coincide mais com os sonhos infantis que viam nela a
realização do bem coletivo, resultando em nomes de avenidas, bibliotecas e estações ferroviárias -Senador Vergueiro,
Intendente Fonseca.
O desencanto popular arrastou um pouco o debate de
idéias. Se você pára com 1 milhão de camisetas numa esquina, elas vão desaparecer com
rapidez. O mesmo vale para bonés, bolsas e outro tipo de brinde. Mas, se você diz que tem um
programa, os transeuntes, na
maioria, seguem seu passo, indiferentes.
Numa das noites de campanha, passei por uma concentração de bares e dizia para os garotos: preciso de sua força no
dia 4. Alguns diziam: com certeza; mas o que vai acontecer
no dia 4?
Excetuando comícios domésticos, que reúnem de 12 a 40
pessoas, foram raras as oportunidades para expor um projeto
de quatro anos de trabalho. Os
programas de TV eram excelentes chances para os que tinham
tempo.
Mesmo nesses programas, os
quadro musicais e as variedades acabaram sendo uma espécie de camuflagem sem a qual o
discurso político nu e cru seria
emboscado pelo tédio dos espectadores.
O processo de pesquisa qualitativa definiu quase todo o discurso. Só se fala o que a maioria
quer ouvir. A imagem com
computadores permite dar ao
sonho uma dimensão que a palavra às vezes não alcança.
Você diz que vai construir um
grande estádio de futebol, uma
grande estrada, muitos hospitais, e eles vão aparecendo na
tela, coloridos e realizados,
num ritmo anos-luz mais célere
do que a dura realidade cotidiana das administrações.
Para iludir adequadamente
os eleitores é preciso muito dinheiro. Com ele, contratam-se
os melhores profissionais e produzem-se os trabalhos mais sofisticados. O resultado é a vitória nas urnas.
Uma das questões que me coloquei ao longo da campanha:
se o que melhor seduz é o vencedor, potencialmente poderá desapontar o eleitorado, aprofundando o desencanto.
Novas e mais sofisticadas técnicas de persuasão serão necessárias no futuro, e tudo indica
que a frieza popular cresce mais
rápido que o avanço técnico dos
marqueteiros.
Um índice interessante para
esclarecer a suspeita é o de abstenção. Seria muito mais claro
se a votação fosse facultativa,
mas ainda assim é um índice
que deve revelar o afastamento
do eleitor.
Muitos diriam apenas que isso é comum nos países avançados. O índice de abstenção nos
EUA é alto, as eleições se realizam em dias úteis e quase não
se nota a sua existência.
Em alguns Estados, como na
Califórnia, a democracia representativa já se apóia na direta.
Junto com a escolha dos políticos há sempre algumas questões
plebiscitárias, respondidas na
base do sim ou não.
Não tenho elementos para demonstrar que a abstenção,
quando a escolha dos políticos é
associada a um plebiscito, torna-se menor.
Considero apenas que esse caminho, combinando de uma
nova maneira democracia representativa e democracia direta, pode ser uma resposta para
a sobrevivência dos Parlamentos.
Mesmo que Parlamentos e governos sobrevivam, esta é a hipótese provável, será preciso
uma renegociação com a política. O lugar que ela ocupa no
nosso imaginário talvez seja reduzido e, quem sabe, novas
energias sejam liberadas com a
alvorada do século 21.
O horário eleitoral gratuito de
2002 transcende à minha imaginação. Por enquanto, vou
tentar apenas esquecer o que vi
em 98.
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