São Paulo, segunda, 5 de outubro de 1998

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O imprevisível horário eleitoral gratuito de 2002

FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha

A esta altura, as eleições acabaram para mim. Ignoro ainda o resultado. Sinto, no entanto, que um certo tipo de encanto sumiu da política eleitoral e creio que foi minha última participação direta.
Não diga dessa água não beberei, você deve estar pensando. Políticos sempre foram amados, insultados ou desprezados, em todas as épocas. O que há de novo, para justificar uma revisão?
Houve um momento de minha vida em que também eu desprezava os políticos e via o que se passava no Congresso como cretinismo parlamentar. Era o momento em que se acreditava numa revolução, e quem estivesse distante dela estaria apenas fazendo o jogo do poder.
Observei no exílio novas experiências. Olaf Plame, por exemplo, era um homem respeitado pelos suecos. Descia a Gamla Stan, cidade velha de Estocolmo, sozinho, cumprimentando as pessoas, como se fosse qualquer um.
Além de sua fidelidade à base política de assalariados, projetava no mundo uma singular visão da Suécia. Daí, o respeito dos próprios adversários.
Já não se anda como antigamente. Plame foi assassinado, e hoje o lugar onde morreu é cultuado por turistas e suecos que vêm do interior.
Há uma nostalgia de políticos amados em quem se possa confiar. Mas a conjuntura torna difícil sua produção.
A experiência eleitoral confirmou para mim que represento as aspirações de um pequeno setor do Estado.
Não se trata de uma reflexão pessoal. Muitos candidatos aumentaram sua votação; outros mantiveram altos índices de aprovação nas urnas.
Mas havia pouco colega nas ruas para sentir que de um modo geral a imagem do político não coincide mais com os sonhos infantis que viam nela a realização do bem coletivo, resultando em nomes de avenidas, bibliotecas e estações ferroviárias -Senador Vergueiro, Intendente Fonseca.
O desencanto popular arrastou um pouco o debate de idéias. Se você pára com 1 milhão de camisetas numa esquina, elas vão desaparecer com rapidez. O mesmo vale para bonés, bolsas e outro tipo de brinde. Mas, se você diz que tem um programa, os transeuntes, na maioria, seguem seu passo, indiferentes.
Numa das noites de campanha, passei por uma concentração de bares e dizia para os garotos: preciso de sua força no dia 4. Alguns diziam: com certeza; mas o que vai acontecer no dia 4?
Excetuando comícios domésticos, que reúnem de 12 a 40 pessoas, foram raras as oportunidades para expor um projeto de quatro anos de trabalho. Os programas de TV eram excelentes chances para os que tinham tempo.
Mesmo nesses programas, os quadro musicais e as variedades acabaram sendo uma espécie de camuflagem sem a qual o discurso político nu e cru seria emboscado pelo tédio dos espectadores.
O processo de pesquisa qualitativa definiu quase todo o discurso. Só se fala o que a maioria quer ouvir. A imagem com computadores permite dar ao sonho uma dimensão que a palavra às vezes não alcança.
Você diz que vai construir um grande estádio de futebol, uma grande estrada, muitos hospitais, e eles vão aparecendo na tela, coloridos e realizados, num ritmo anos-luz mais célere do que a dura realidade cotidiana das administrações.
Para iludir adequadamente os eleitores é preciso muito dinheiro. Com ele, contratam-se os melhores profissionais e produzem-se os trabalhos mais sofisticados. O resultado é a vitória nas urnas.
Uma das questões que me coloquei ao longo da campanha: se o que melhor seduz é o vencedor, potencialmente poderá desapontar o eleitorado, aprofundando o desencanto.
Novas e mais sofisticadas técnicas de persuasão serão necessárias no futuro, e tudo indica que a frieza popular cresce mais rápido que o avanço técnico dos marqueteiros.
Um índice interessante para esclarecer a suspeita é o de abstenção. Seria muito mais claro se a votação fosse facultativa, mas ainda assim é um índice que deve revelar o afastamento do eleitor.
Muitos diriam apenas que isso é comum nos países avançados. O índice de abstenção nos EUA é alto, as eleições se realizam em dias úteis e quase não se nota a sua existência.
Em alguns Estados, como na Califórnia, a democracia representativa já se apóia na direta. Junto com a escolha dos políticos há sempre algumas questões plebiscitárias, respondidas na base do sim ou não.
Não tenho elementos para demonstrar que a abstenção, quando a escolha dos políticos é associada a um plebiscito, torna-se menor.
Considero apenas que esse caminho, combinando de uma nova maneira democracia representativa e democracia direta, pode ser uma resposta para a sobrevivência dos Parlamentos.
Mesmo que Parlamentos e governos sobrevivam, esta é a hipótese provável, será preciso uma renegociação com a política. O lugar que ela ocupa no nosso imaginário talvez seja reduzido e, quem sabe, novas energias sejam liberadas com a alvorada do século 21.
O horário eleitoral gratuito de 2002 transcende à minha imaginação. Por enquanto, vou tentar apenas esquecer o que vi em 98.



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