São Paulo, quarta, 5 de novembro de 1997.




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Uma polêmica tropical

Caetano Veloso defende em seu livro os valores do movimento criado por Oswald de Andrade que seria, na verdade, um erro

MARCELO REZENDE
da Reportagem Local

Tudo começa com um manifesto. Torna-se, para seu criador, uma saída para a cultura brasileira e, quase 70 depois, é tido como responsável pela falta de uma "identidade nacional". Fala-se de movimento antropofágico. Assiste-se, mais uma vez, a uma polêmica.
A mais recente chegou à mídia com a publicação de "Verdade Tropical" (Cia. das Letras), livro de memórias e idéias de Caetano Veloso, em que reafirma a tropicália como herdeira das idéias expostas por Oswald de Andrade no "Manifesto Antropófago", publicado em 1928 (leia trecho ao lado).
No livro, à pág. 248, Caetano escreve que "são poucos os momentos da nossa história cultural que estão à altura da visão oswaldiana", dizendo ser a antropofagia cultural "um modo de radicalizar a exigência de identidade (e de excelência na fatura), e não um drible na questão".
O texto rebate -como afirma no livro- os escritos do psicanalista italiano Contardo Calligaris (publicados no livro "Hello Brasil"), que diz ser a antropofagia de Oswald de Andrade "um mito que, além de nocivo, é sintoma de nossa doença congênita de não-filiação, de ausência de um 'nome do pai"', escreve Caetano.
A discussão em livro tornou público um debate que acontece nos meios acadêmicos e culturais brasileiros.
O que se procura é descobrir se o projeto oswaldiano -que prega a apropriação (deglutição) do melhor da cultura estrangeira para, somado ao que há de mais brasileiro, constituir um caráter nacional- é impedimento ou solução.
Mais do que um projeto, trata-se, para muitos, de uma realidade, uma confusão de fábulas que terminaram por contaminar não só a produção cultural, mas também a ética e mentalidade nacionais.
"O que vivemos hoje", diz o filósofo Olavo de Carvalho, "é a antropofagia da própria terra, como se estivéssemos engolindo uns aos outros. Parece que temos timidez em afirmar valores positivos. Há algo mais antropofágico e tropicalista que os atos de Fernando Collor e PC Farias?"



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