São Paulo, sábado, 05 de novembro de 2005

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SEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF

Nova Fronteira lança "Um Teto Todo Seu", em que a escritora apresenta ideais libertários

Em ensaio, Woolf defende voz feminina

DA REPORTAGEM LOCAL

É preciso ouvir o que tinha a dizer Virginia Woolf sobre o feminismo, as mulheres e a dominação a que elas estavam (ou estão) submetidas. Concedendo-lhe a chance de se redimir em palavras por qualquer atitude cotidiana que tenha tomado, por qualquer mal que tenha causado àquelas com quem dividia o teto, a autora não há de desperdiçá-la.
Prova disso é o também recém-lançado "Um Teto Todo Seu" (Nova Fronteira), não por acaso o livro que a espanhola Alicia Giménez Bartlett tomou como ponto de partida para escrever o seu -o título original do primeiro é "A Room of One's Own" (em outra possível tradução, "um dormitório próprio"). Trata-se de um longo ensaio de Woolf, baseado em anotações para duas conferências que proferiu em Cambridge, em 1928, que esboça um panorama das dificuldades enfrentadas pelas mulheres e revela, agora sem incoerências ou contradições, os ideais libertários e emancipatórios da autora.
Tomando como tema central a relação das mulheres com a literatura, Woolf estabelece como premissa para que a verdadeira libertação intelectual ocorra a necessidade de que cada uma tenha "quinhentas libras por ano e um quarto próprio" (considerando-se a distância temporal da declaração, conversões monetárias não parecem pertinentes). "Ao pensarmos em todas aquelas mulheres trabalhando ano após ano e sentindo dificuldade em reunir duas mil libras, e que trabalharam tudo o que perderam para obter trinta mil libras, irrompemos numa explosão de escárnio diante da repreensível pobreza de nosso sexo", escreve Woolf.
O texto oscila entre trechos mais dissertativos, analíticos, e outros de uma narração bastante similar a alguns romances da autora, nos quais, em processo que se assemelha ao fluxo de consciência, as palavras se deixam vaguear pelo espaço, atendo-se a detalhes que vão encontrando pelo caminho. No ensaio, o efeito é singular e inusitado, revelando quão pouco árido pode ser esse gênero.
A atenção aos detalhes, por sinal, traço recorrente na obra de Woolf, talvez possa revelar o tipo de cuidado que ela imprimia a sua própria casa, considerando-se o fato de que não sofria dessa pobreza que, no livro, denuncia.
Surpreende, nesse sentido, no relato que a autora faz de um jantar realizado na universidade em que proferiu as palestras, o cuidado que ela destina às minúcias do cardápio, descrito em longas e sempre sinuosas frases. Aproveita, então, para questionar a ausência desses elementos na tradição literária: "É curioso como os romancistas têm um jeito de fazer-nos crer que os almoços são invariavelmente memoráveis por algo muito espirituoso que se disse ou muito sábio que se fez. Raramente, porém, reservam sequer uma palavra para o que se comeu."
E indaga, por fim, tornando impossível não pensar em sua cozinheira Nelly Boxall: "Que força estará por trás da louça simples em que jantamos, e (...) da carne de vaca, do creme e das ameixas secas?" (JULIÁN FUKS)


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