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SEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF
Nova Fronteira lança "Um Teto Todo Seu", em que a escritora apresenta ideais libertários
Em ensaio, Woolf defende voz feminina
DA REPORTAGEM LOCAL
É preciso ouvir o que tinha a dizer Virginia Woolf sobre o feminismo, as mulheres e a dominação a que elas estavam (ou estão)
submetidas. Concedendo-lhe a
chance de se redimir em palavras
por qualquer atitude cotidiana
que tenha tomado, por qualquer
mal que tenha causado àquelas
com quem dividia o teto, a autora
não há de desperdiçá-la.
Prova disso é o também recém-lançado "Um Teto Todo Seu"
(Nova Fronteira), não por acaso o
livro que a espanhola Alicia Giménez Bartlett tomou como ponto de partida para escrever o seu
-o título original do primeiro é
"A Room of One's Own" (em outra possível tradução, "um dormitório próprio"). Trata-se de um
longo ensaio de Woolf, baseado
em anotações para duas conferências que proferiu em Cambridge, em 1928, que esboça um
panorama das dificuldades enfrentadas pelas mulheres e revela,
agora sem incoerências ou contradições, os ideais libertários e
emancipatórios da autora.
Tomando como tema central a
relação das mulheres com a literatura, Woolf estabelece como premissa para que a verdadeira libertação intelectual ocorra a necessidade de que cada uma tenha "quinhentas libras por ano e um quarto próprio" (considerando-se a
distância temporal da declaração,
conversões monetárias não parecem pertinentes). "Ao pensarmos
em todas aquelas mulheres trabalhando ano após ano e sentindo
dificuldade em reunir duas mil libras, e que trabalharam tudo o
que perderam para obter trinta
mil libras, irrompemos numa explosão de escárnio diante da repreensível pobreza de nosso sexo", escreve Woolf.
O texto oscila entre trechos mais
dissertativos, analíticos, e outros
de uma narração bastante similar
a alguns romances da autora, nos
quais, em processo que se assemelha ao fluxo de consciência, as
palavras se deixam vaguear pelo
espaço, atendo-se a detalhes que
vão encontrando pelo caminho.
No ensaio, o efeito é singular e
inusitado, revelando quão pouco
árido pode ser esse gênero.
A atenção aos detalhes, por sinal, traço recorrente na obra de
Woolf, talvez possa revelar o tipo
de cuidado que ela imprimia a sua
própria casa, considerando-se o
fato de que não sofria dessa pobreza que, no livro, denuncia.
Surpreende, nesse sentido, no
relato que a autora faz de um jantar realizado na universidade em
que proferiu as palestras, o cuidado que ela destina às minúcias do
cardápio, descrito em longas e
sempre sinuosas frases. Aproveita, então, para questionar a ausência desses elementos na tradição
literária: "É curioso como os romancistas têm um jeito de fazer-nos crer que os almoços são invariavelmente memoráveis por algo
muito espirituoso que se disse ou
muito sábio que se fez. Raramente, porém, reservam sequer uma
palavra para o que se comeu."
E indaga, por fim, tornando impossível não pensar em sua cozinheira Nelly Boxall: "Que força
estará por trás da louça simples
em que jantamos, e (...) da carne
de vaca, do creme e das ameixas
secas?"
(JULIÁN FUKS)
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