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TODOS OS NOMES DE DELILLO
'Notícia vem assumindo lugar do romance'
Muitos dos temas já conhecidos
de DeLillo estão presentes em
"Underworld": o crescente poder
da imagem e da mídia no mundo
moderno, a incerteza da vida americana após o assassinato de Kennedy, o senso de perigo nacional,
homens e mulheres que vivem fora
dos limites da vida e da linguagem
comuns. Aqui e ali há até um aroma daquela tão singular marca registrada de DeLillo: a paranóia.
Mais frequentemente, porém,
"Underworld" é uma sátira sombriamente engraçada à linguagem,
aos modos e às obsessões do
pós-guerra.
Conversávamos sobre isso enquanto caminhávamos pelo
Bronx. "Vou lhe mostrar a casa",
disse ele, dirigindo-se à esquina da
rua 182 com Adams Place. A casa é
estreita, de três andares, com telhas de zinco remendadas. DeLillo
cresceu ali com seus pais, imigrantes italianos, sua irmã, um tio e tia
e seus três filhos.
Estávamos suando sob o sol forte,
mas não havia
quase nada aberto.
Finalmente DeLillo encontrou um
café e confeitaria
que tinha ar condicionado funcionando. Nos sentamos e eu lhe perguntei porque esperara até encher
uma prateleira
substancial de livros antes de voltar-se ao Bronx em
sua ficção. Em
"Underworld",
Nick Shay cresce
num prédio situado perto da velha
casa de DeLillo.
"Tive que esperar 30 anos para
poder fazer justiça
ao Bronx", disse
DeLillo. "Eu precisava dessa distância. E precisava
escrever sobre o bairro num contexto muito mais amplo. Eu não
podia escrever um livro sobre um
pano de fundo e um lugar, sem situá-lo num contexto mais amplo.
Mergulhei no Bronx nos meus primeiros contos, mas eles não foram
muito bons. Eu nem gostaria de
lê-los outra vez. Eram uma espécie
de história literária proletária, sobre trabalhadores sob repressão.
Lembro que um deles era sobre um
homem que tinha sido despejado
de sua casa e estava sentado na calçada, cercado por seus pertences."
DeLillo estudou no Colégio Cardinal Hayes ("onde eu ficava dormindo") e na Universidade Fordham ("onde me
formei em algo
chamado 'artes da
comunicação"').
Seu pai era escrivão na companhia
de seguros Metropolitan Life, em
Manhattan. "Sabe
aquele livro do
Graham Greene
chamado 'England Made Me',
Nova York me
fez", disse DeLillo.
"Há uma sensibilidade, um senso
de humor, uma espécie de abordagem sombria às
coisas que é parte
Nova York e parte,
talvez, o fato de ter
crescido católico,
e que, no que me
diz respeito, molda meu trabalho
muito mais do que
qualquer coisa que
eu já tenha lido. É verdade que tive
algumas experiências de leitura
maravilhosas, especialmente
'Ulisses'. Eu o li pela primeira vez
quando era bem jovem, e depois
outra vez aos 25. E isso foi importante. Me senti muito atraído pela
beleza da linguagem, especialmente nos primeiros três ou quatro capítulos. Eu me recordo de ler esse
livro numa parte do meu quarto
que costumava ficar ensolarada.
Mas eu não lia quando era criança,
e ninguém lia nada para nós. Isso
não fazia parte de nossa tradição.
Como todo nova-iorquino, DeLillo fala dos bairros da cidade em
termos limitados. Quando passamos pela avenida Bathgate, apontou para a placa da rua e disse:
"Costumo ficar longe dessa rua. É
a área do Doctorow".
Ainda há muitos italianos na espinha dorsal da avenida Arthur,
mas também há negros, hispânicos, albaneses, bósnios. Andar por
estas ruas ajudou DeLillo a relembrar as ruas e o cimento básico do
lugar, mas também a psique da
época -a maneira como as pessoas sabiam o que sabiam, como
tão raramente viviam no mundo
mais amplo, exceto quando iam a
Manhattan pelo elevado da Terceira Avenida e enxergavam vislumbres passageiros de outras vidas
nas janelas abertas dos apartamentos. E, como "Underworld" é sobre o mundo mais amplo, sobre a
Guerra Fria, suas viagens ao Bronx
o ajudaram a recordar como ele e
seus vizinhos haviam vivido em
tempos ameaçadores.
"Naquela época, o jeito como as
pessoas absorviam as notícias era
diferente", disse ele, com o gorgolejar da máquina de café expresso
ao fundo. "Era preciso ir ao cinema para realmente ver alguma coisa. Havia um desenho animado e
depois um curta sobre a explosão
da bomba de hidrogênio. Era parte
do entretenimento."
Em 1959, depois de terminar a faculdade, DeLillo se mudou para
um apartamento minúsculo em
Murray Hill, o tipo de lugar onde a
geladeira fica no banheiro.
De início, trabalhou em regime
de tempo integral como redator de
propaganda na Ogilvy, Benson &
Mather. Seus amigos eram os outros redatores, sujeitos engraçados
e sofisticados "que eram como
uma combinação de Jerry Lewis,
Lenny Bruce e Noel Coward".
Juntos, iam ao Museu de Arte
Moderna e ao Village Vanguard,
assistiam aos filmes europeus da
época. Enquanto isso DeLillo começava a escrever "Americana".
Foi um início hesitante, mas depois de alguns anos, quando DeLillo começou a dominar seu livro e
se convenceu de que era um escritor de verdade, ele abandonou a
Ogilvy, Benson & Mather.
Para ganhar um pouco de dinheiro, fazia trabalhos de free-lance redigindo catálogos de móveis,
diálogos de quadrinhos, roteiros
de comerciais de televisão.
"Americana" foi lançado em
1971 e foi julgado promissor, e, em
1975, DeLillo se casou com Barbara Bennett. Eles não têm filhos.
"Minha vida tem sido marcada
pela sorte", disse DeLillo. "Não tive as muitas distrações que atrapalham o trabalho de outros escritores. Para começo de conversa, ganho o suficiente para sobreviver.
Aprendi a viver com muito pouco.
E as complicações de família não
têm sido uma fonte de dificuldades
para mim, como o são para quase
todo mundo."
Tanto em seus primeiros livros
quanto nos triunfais "Os Nomes",
"Ruído Branco", "Libra", "Mao
II" e "Underworld" irradiam uma
sensibilidade moldada nos anos 60
e 70.
Mas, diferentemente de alguns
de seus contemporâneos e amigos,
DeLillo tem se mantido, de modo
geral, à margem da política. "Tomei parte de várias manifestações
contra a guerra, mas apenas nas fileiras de trás", disse ele. "Eu me
interessava muito pelo rock. Ao
mesmo tempo, preciso admitir
que não comprei um único disco.
Eu o ouvia no rádio. Deixei a cultura do rock jorrar sobre mim. Eu
usava maconha, não frequentemente mas de maneira mais ou
menos regular. Achei os anos 60
extremamente interessantes, e, ao
mesmo tempo em que tudo isso
acontecia -o enorme tumulto social-, eu também sentia que havia
no ar um tédio curioso, um desinteresse, que pode, na realidade, fazer parte do meu primeiro livro."
Em um dia deste verão, enquanto almoçávamos no restaurante do
Museu de Arte Moderna, perguntei a ele se essas visitas ao museu
influenciaram sua obra; se, na verdade, todas as experiências instigantes de sua juventude -Joyce,
os filmes europeus dos anos 60, o
bebop e o rock- estiveram presentes em seus livros.
"É uma pergunta muito difícil
de responder", disse DeLillo.
"Mas a influência é sempre metafísica. Acho que eu não conseguiria identificar nenhum tipo de conexão direta. Acho que a ficção
vem de tudo que você já fez, já disse, já sonhou, já imaginou. Vem de
tudo que você leu e do que você
não leu. Vem de todas as coisas que
estão no ar. Em algum momento
você começa a escrever sentenças e
parágrafos que não soam como os
de outros escritores. E, para mim,
o 'xis' da questão é a linguagem, e a
linguagem que um escritor acaba
desenvolvendo. Se você está falando de Hemingway, a sentença Hemingway é o que faz Hemingway.
Não são as touradas, os safáris, as
guerras -é a sentença clara, direta, vigorosa. É o conectivo simples
-a palavra "e"- que liga os segmentos de uma sentença Hemingway longa. A palavra "e" é mais
importante para a obra de Hemingway do que Paris ou a África.
Acho que minha obra vem da cultura do mundo que me cerca. Acho
que é daí que vem.
Perguntei a DeLillo se ele se reconhece nas críticas acadêmicas ou
resenhas jornalísticas de sua obra.
"Não muito", disse ele. "O que
quase nunca é dito é aquilo que
acabamos de discutir, sobre a linguagem em que um livro é formulado. E isso por uma boa razão: é
difícil falar disso. Assim, ouvimos
análises amplas das questões sociais presentes em nossa obra, por
exemplo, mas raramente qualquer
coisa sobre como o escritor chega
até lá."
DeLillo não faz idéia de como
"Underworld" será absorvido na
cultura, se é que o será. Ele parece
não se preocupar com isso. Na verdade, não acha que o status cada
vez mais marginal do romancista
sério seja necessariamente algo
terrível. Pelo fato de ser marginal
ele pode acabar sendo mais significativo, mais respeitado, mais aguçado em suas observações.
Em "Libra", em "Mao II" e,
agora, em "Underworld", DeLillo
inclui em sua obra, cada vez mais,
o mundo do poder e da celebridade -o mundo da história contemporânea. É provável que continue
nessa direção.
"Acho que os acontecimentos
públicos vêm sendo mais e mais
noticiados nas últimas décadas",
ele me disse. "É o poder da mídia,
o poder da televisão. Mas também,
acho, é algo nas pessoas que talvez
tenha mudado. As pessoas parecem precisar de notícias, notícias
de qualquer tipo -más, sensacionalistas, avassaladoras. Parece que
é a notícia a narrativa de nossa
época. Ela quase assumiu o lugar
do romance, quase substituiu o
discurso entre as pessoas. Tomou
o lugar das famílias. Tomou o lugar de uma maneira mais lenta,
mais cuidadosamente montada de
se comunicar, de uma comunicação mais pessoal. Nos anos 50 as
notícias eram como que uma parte
sinuosa do dia. Elas fluíam para
dentro e para fora de uma maneira
comum, não notável. Hoje em dia
as notícias exercem impacto, em
grande medida devido aos noticiários da televisão. Depois do terremoto de San Francisco, a televisão
mostrou inúmeras vezes a cena de
uma casa ardendo em chamas. O
televisor virou uma espécie de instrumento do apocalipse. Isso
acontece repetidas vezes naqueles
videoteipes infindáveis que aparecem, de um assalto a banco, um
tiroteio ou um espancamento. Eles
repetem a cena, e é como se, de alguma maneira, estivessem acelerando o tempo. Acho que tudo isso
induziu nas pessoas um sentimento apocalíptico que não tem nada a
ver com o fim do milênio. E isso
nos torna consumidores de determinado tipo. Consumimos esses
atos de violência. É
como comprar
produtos que, na
verdade, são imagens, e são produzidas de um modo
típico do mercado
de massa. Mas
também é real, é a
vida real. É como
se isso fosse nossa
derradeira vivência da natureza:
ver um sujeito
com uma arma na
mão totalmente
separado da violência coreografada do cinema. De
uma maneira estranha, é tudo que
nos resta da natureza. Mas está tudo
acontecendo na
nossa TV."
A caminho da
estação, onde me
deixaria para que eu pegasse o
trem de volta à cidade, DeLillo disse: "O que acontece nesse ínterim
é que eu vagueio, me sinto um
pouco à-toa. Me sinto um pouco
burro, porque minha mente está
distraída. Ela não está treinada para concentrar-se diariamente em
alguma coisa, então me sinto um
pouco estúpido. O tempo passa de
maneira completamente diferente.
Não posso definir o que fiz num
dia, num dia dado. Ao final de um
dia, não sei o que fiz."
Tradução Clara Allain
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