São Paulo, terça-feira, 05 de dezembro de 2000

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EXPOSIÇÃO

Os 70 anos da escritora são comemorados com mostra

São Paulo vê obsessões da poeta Hilda Hilst

CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Hilda Hilst vai caminhar sobre as águas. Ela e quem mais aparecer para ver a exposição, com abertura hoje à noite, que comemora os 70 anos da escritora (completados em abril) com um passeio em suas obsessões.
Não é uma exposição de efeméride qualquer: a ordem cronológica foi ignorada. Em vez disso, estão símbolos do universo de Hilda, como Deus, o tempo, o vazio, o infinito, a natureza, os bichos. A água sobre a qual todos andarão é um rio artificial em cujo fundo se poderão ler textos da escritora.
Também estão lá, em grandes painéis fotográficos, seus 95 cachorros e a figueira a qual ama tanto que mandou construir sua casa perto dela. De documentos e memorabilia, pouca coisa além de retratos, originais, a máquina de escrever. Mesmo em tudo isso, o simbólico -sobre a máquina, por exemplo, desce um fio de areia, como numa ampulheta.
Há ainda o "oco", um poço que simboliza o abismo, outra obsessão, coberto pela névoa. "Ela fala muito do oco, da "oquidão'", diz a arquiteta Gisela Magalhães, co-curadora da exposição. "E essa coisa neblinosa dá a sensação de infinito. Ela trabalha o tempo todo com infinitos."
A arquiteta cita a poeta para mostrar do que fala -"Costuro o infinito sobre o peito como aqueles que amam"-, embora advirta que Hilda é intraduzível e diga da dificuldade de pôr tudo do que a escritora é e do que escreve em um espaço físico.
Gisela é o que se pode chamar de a pessoa certa na hora e lugar certos. Amiga de Hilda Hilst há 55 anos, também acaba de entrar nos 70. Ou seja, a exposição não só é uma espécie de comemoração dupla como é a celebração de uma longa amizade.
"Nos conhecemos virando gente, eu indo nas águas dela. Nunca conheci ninguém mais livre", diz Gisela sobre Hilda. "Estou contente de que seja ela a fazer a exposição. A Gisa é deslumbrante", diz Hilda sobre Gisela, por telefone; e mais não diz, ainda não viu a exposição e se sente "constrangida" com a homenagem. Sua presença está prometida para a abertura da mostra.
Quando concebeu uma exposição sobre Clarice Lispector, em 90, a arquiteta ouviu da amiga a reclamação: "Para mim você não faz uma coisa bonita dessas". O tempo passou, e Gisela decidiu que agora era "a hora".
Para seu parceiro, convidou o produtor cultural Ricardo Fernandes, outro apaixonado por Hilda como leitor.
A princípio, seria uma coisa pequena, no corredor de entrada do Sesc. Depois, a direção do local acabou conseguindo um espaço maior e se pôde incluir boa parte do universo da escritora.
Ao lado do rio, ao entrar, está a "mata" -a escritora vive em um sítio perto de Campinas. Do lado oposto, um painel com os livros de Hilda (alguns também à venda na exposição) e de autores que foram importantes para ela, como Samuel Beckett, Franz Kafka, o filósofo Wittgenstein. Na frente do painel com os cachorros, a figura do "porco menino", um dos nomes que a escritora deu a Deus.
Embaixo da escada, está a sala de leitura, com os originais datilografados e corrigidos à mão, em que algumas páginas revelam anotações de contas a pagar no verso. Na figueira, uma fotomontagem mostra a passagem do tempo para Hilda Hilst, de criança até hoje. Há também fotos familiares, sobretudo do pai Apolônio, figura marcante na vida da escritora, e um cantinho que chora -é que ela disse que o mal do mundo estava em um canto.
Ao final, se volta à água, e da saída se vê toda a exposição ao avesso. "É bem uma coisa de Hilda, mostrar os avessos de tudo", explica Ricardo Fernandes. No teatro anexo ao espaço, estão programadas leituras dramáticas de poemas e textos teatrais da escritora (veja programação ao lado).
A Hilda Hilst pornográfica dos últimos anos aparece implícita mais aí, no teatro, do que na exposição propriamente dita -o conceito central é de que fosse algo mais introdutório, a apresentação ao público de uma escritora tida como "difícil", descomplicando em vez de complicar mais.


Exposição: Hilda Hilst - 70 Anos
Onde: Sesc Pompéia (rua Clélia, 93, São Paulo, tel. 0/xx/11/3871-7700)
Quando: abertura hoje, às 20h; de ter. a dom., das 10h às 21h. Até 4/2
Quanto: entrada franca





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