São Paulo, domingo, 05 de dezembro de 2004

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Artigo sobre classificação indicativa para filmes gera descontentamento entre diretores

Indicação ou censura?

Marcelo Min/Folha Imagem
Roberto Moreira, diretor de "Contra Todos", proibido a menores de 18


JANAINA FIDALGO
DA REDAÇÃO

O Sicesp (Sindicato da Indústria Cinematográfica do Estado de São Paulo) encaminhou na última quarta-feira uma carta aos ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Gilberto Gil (Cultura) questionando as recentes alterações nas regras de classificação indicativa de obras audiovisuais.
O descontentamento dos cineastas deve-se à redação de um dos parágrafos do artigo 3º da portaria 1.597. O artigo afirma que "não será permitido, em qualquer hipótese, o acesso de crianças e adolescentes a diversões e espetáculos públicos cuja classificação recebida corresponda a "inadequado para menores de 18 anos'".
Na carta, o Sicesp alega que o trecho contradiz a Constituição, segundo a qual compete à legislação federal "regular as diversões e espetáculos públicos", cabendo ao poder público informar sobre a natureza e as faixas etárias.
"A expectativa, a curtíssimo prazo, é levantar a polêmica desta questão. Não concordamos com o estabelecimento dessas limitações proibitivas", diz o cineasta, distribuidor e exibidor André Sturm, que também é presidente do Sicesp.
A opinião é compartilhada por grande parte dos diretores de cinema ouvidos pela Folha. Para eles, a função da classificação indicativa é apenas informar aos pais as faixas etárias de cada filme, e não servir como uma proibição.
Desde julho, quando a portaria foi alterada e começou a vigorar, o acesso de crianças e adolescentes a filmes classificados como inadequados para suas idades foi flexibilizado para algumas faixas etárias. Assim, crianças de 10 e 11 anos, acompanhadas dos pais ou responsáveis, podem assistir a filmes considerados impróprios para menores de 12 anos -o mesmo acontece nas faixas de 14 e 16 anos, cuja entrada é permitida na categoria de classificação imediatamente superior à de sua idade.
No entanto, quem tem 16 e 17 anos não pode ver filmes proibidos para menores de 18 anos. A limitação afeta também os menores de dez anos, que podem assistir apenas a sessões livres e desde que acompanhados dos pais.
"Há de se concordar que essa portaria foi um avanço, mas o que a gente coloca é o seguinte: a Constituição não permite a você proibir o acesso. Somos favoráveis à classificação indicativa. O que não concordamos é com a classificação, que se chama indicativa, virar proibitiva. O Estado não permitir que o pai decida parece inconstitucional", diz Sturm.

Aspecto jurídico
O advogado Marcos Bitelli julga positiva a existência de uma portaria que flexibilize a entrada nos cinemas, mas defende uma elasticidade maior, que dê mais poder aos pais. "Não posso ser contra a flexibilização, mas também não posso dizer que ela é suficiente."
Segundo Bitelli, a confusão se dá no controle de acesso às salas de cinema. "A Constituição fala que o poder público classificará os conteúdos, mas se esquece de dizer que a classificação, sendo apenas indicativa para o usuário, para o titular do estabelecimento é obrigatória. Chega uma pessoa no cinema e diz: "Meu filho tem de entrar porque a classificação é indicativa". Mas, do outro lado, ela é proibitiva, porque a partir do momento que o estabelecimento viola essa indicação é sujeito a sanções [multas] previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Este é o primeiro antagonismo", avalia. "Essa portaria foi ruim? Não, não foi porque flexibilizou. A portaria em si não é o problema, o problema é o ECA."
Para a advogada Taís Gasparian, as palavras usadas no artigo 3º da portaria dão margem a outro entendimento. "Ali, na minha opinião, foi extrapolado aquele preceito constitucional que estabelecia apenas que os filmes fossem recomendados", diz.
De acordo com Gasparian, o comitê do Ministério de Justiça, por mais competente e cioso de seus deveres, pode não ter os mesmo valores que os pais têm.
"Questiono a portaria por achar que o pátrio poder deveria determinar o que os pais, segundo seus valores, acham próprio ou impróprio para a criança", diz. "A portaria, ao proibir o acesso e não reconhecer nem sequer o pátrio poder, corre o risco de ter sua constitucionalidade questionada."

Espectadores
Se não há consenso entre diretores e o Estado, tampouco existe na outra ponta da cadeia cinematográfica: o público.
Mãe de Laura, 6, Thiago, 9, e Pedro, 13, a fonoaudióloga Agda Saraiva, 37, diz que a recomendação serve como um parâmetro, tendo em vista o que a família considera ideal na formação dos filhos.
"Sempre respeitamos e vou continuar, não porque o Estado está impedindo, mas por aquilo que a gente acredita em relação à educação deles", diz.
Mas é possível acatar a proibição em qualquer ocasião? Saraiva confessa que "nem sempre".
"Na verdade, burlamos uma vez no último filme do "O Senhor dos Anéis" [O Retorno do Rei]. Estávamos em São Roque [interior de São Paulo], onde não há fiscalização. Já tínhamos assistido aos outros e vimos que não tinha nada demais o Thiago assistir a este."
A limitação aborrece a fonoaudióloga quando ela quer levar a caçula para assistir aos filmes de Harry Potter. "Ela é louca para assistir. Fico incomodada porque é um entretenimento sem malícia."
A dentista Marta Arato, 44, mãe de Pedro Henrique, 12, e João Gabriel, 14, defende a restrição. "Eu sou a favor sim de ter uma classificação, não pela minha família em si, mas pela dos outros", diz. "Se é de 18 anos, é porque o filme é forte. Eles não têm maturidade suficiente, e a não-compreensão gera uma interpretação deturpada."
João Gabriel concorda em partes e supõe que as obras inadequadas para menores de 18 sejam "impressionantes".
"O último do Pedro Almodóvar ["Má Educação'] deve ser muito pesado. Mas filme de ação, que tem violência, já assisti tanto na TV que não tem nada demais."
Mesmo com os cuidados, às vezes uma cena imprevista surge na tela. "Ela diz: "Cobre o olho, menino! Você não pode ver isto". Mas já estamos lá mesmo", diverte-se.
Defensora da liberdade de escolher os filmes vistos por seu filho, Ângelo, 8, a atriz Carla Kubrusly, 33, diz que é "meio hipócrita essa censura". "Eu não acho legal. Se a criança está com os pais e eles acham que ela tem maturidade, a responsabilidade é deles. Eu gostaria de poder levar meu filho para ver as comédias românticas de 12 anos de que ele gosta", diz.



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