São Paulo, domingo, 05 de dezembro de 2004

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Cineastas discutem proibição ao acesso de jovens

DA REDAÇÃO

Trabalhando com a idéia de que todos os elos da cadeia cinematográfica são afetados pelo impedimento no acesso, o documento entregue ao governo salienta a perda econômica causada à indústria do audiovisual. A outra argumentação diz respeito à necessidade de demonstrar que a obra corresponde a finalidades educativas ou informativas.
"O cinema de entretenimento não tem a função de educar. A Constituição fala que as TVs devem ter função educativa. No cinema não há comentário sobre o conteúdo. O que estão fazendo é tratar do mesmo jeito duas coisas que a Constituição trata diferente", diz Roberto Moreira.
O cineasta Fernando Meirelles, embora concorde com a idade atribuída a "Cidade de Deus" -16 anos-, questiona a proibição. "A classificação estava correta, mas a proibição foi o problema. Garotos de 14 ou 15 não puderam ir assistir a um filme em que a idade média dos personagens era exatamente essa", argumenta. "Um filme que lida com as questões do jovem acaba sendo impedido de chegar a seu público. No Brasil, um garoto de 17 pode ter e tem uma vida sexual regular, muitos usam drogas, mas não podem ver o espelho de suas próprias vidas na tela. Valorizam demais a importância e a força de persuasão do cinema", diz Meirelles.
Moreira, cujo filme "Contra Todos" é proibido para menores de 18, diz que a classificação põe o jovem à margem. "Classificar a 18 é segregar, principalmente pensando que o jovem tem autoridade para escolher o presidente da República, mas não pode ser exposto ao meu filme."
Em "Cama de Gato", o diretor Alexandre Stockler argumenta que as cenas de sexo e violência mostradas não têm como intenção propagar a violência. "É para fazer as pessoas refletirem", diz.
Há ainda quem enxergue um preconceito histórico com as filme nacionais. "O cinema brasileiro é muito prejudicado. "Quem Vai Ficar com Mary", que era para 12 anos, tinha cenas escatológicas absurdas. Imagine se a gente fizer um filme assim? As pessoas costumam reclamar que o filme brasileiro tem palavrões. O americano é cheio, mas "asshole" é traduzido como babaca e "fuck you" como dane-se. E aí ficam com censura mais baixa", diz Jorge Furtado.
Furtado, como outros diretores ouvidos pela Folha, pede critérios mais claros de avaliação. "Eu estou fazendo um filme ["Meu Tio Matou um Cara'] e minha filha de quatro anos já o viu 20 vezes. Acho que deveria ser censura livre, mas talvez seja 12 anos porque, enfim, o tio matou um cara", diz, rindo. "Matou um cara fora da história. Não aparece a morte."
Para Furtado, é preciso ter noção de que a ficção é uma representação. "Toda dramaturgia mais interessante do mundo é repleta de pecados e crimes. "Romeu e Julieta", "Macbeth". Isso faz parte do mundo, da vida", diz.
Para não correr o risco de ver "Bicho de Sete Cabeças" ser proibido para menores de 18, Laís Bodanzky diz ter tomado todos os cuidados para não esbarrar na classificação. "No roteiro já nos preocupávamos porque pensávamos em fazer um filme para os adolescentes", conta.
O cineasta Carlos Reichenbach se diz incomodado com a idéia de o Estado querer substituir o pai. "Esse negócio de censura é uma coisa absurda, mas é indiscutível que esse tipo de decisão deve passar, antes de mais nada, pelo crivo do realizador, que de certa forma também deve ser responsabilizado." (JF)




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