São Paulo, sábado, 05 de dezembro de 2009

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Crítica/"Os Espiões"

Luis Fernando Verissimo usa humor engenhoso em policial

Autor adiciona achados cômicos a ingredientes clássicos de tramas detetivescas

ALCIDES VILLAÇA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em "Os Espiões", Luis Fernando Verissimo tomou para si a missão de um romance policial, atendendo a seu gosto por autores como John le Carré e Simenon.
Felizmente, não precisou deixar de ser grande humorista, pelo contrário: aproveitou alguns estereótipos das situações de espionagem (como "nosso homem dentro") para dar matéria às operações de base de seu humor: o pleno domínio do ritmo da narração, a reiteração obsessiva de detalhes reveladores, a exploração dos registros da paródia literária, a caricatura do intelectual, o nonsense e as farsas cotidianas -tudo simulando servir a um realismo provinciano, mas promovendo finas análises de tipos e valores humanos.
Assim é que nossa resposta à epígrafe do livro -"O que amarei se não for o enigma?" (de Chirico)- será "o humor", esse tirano que, uma vez instalado, se apresenta como solução de tudo, porque sabe dissolver tudo na matéria do risível.
Do prazer que nos dá fica uma espécie de acidez residual e libertária, cujo teor corrosivo depende do humorista. É amplo, como se sabe, o espectro do humor de Verissimo, que vai do acento forte da súbita gargalhada ao traço continuado daquele sorriso em que disputamos graus de sutileza com o narrador.
Quanto à queda de braço entre os gêneros da ficção de humor e a policial, LFV não dispensou um ardiloso roteiro de ações, difícil de engendrar e imprescindível nos romances policiais, mas subordinou-o a impagáveis achados cômicos, entre eles o de um padre surdo que obriga seus fiéis a confissões gritadas na igreja, diante de plateia já habitual.
O saldo é estimulante, pois o leitor fica preso a uma trama detetivesca que funciona como base para todos os risos. Se quiser mais, encontra: as insistentes remissões literárias em modo rebaixado, as exibições de falsa erudição e as referências ao mercado cultural fazem uma espécie de baixo contínuo que refere o lado menos festivo da história moderna (também representado, com outro humor, nos livros de Chico Buarque).
Nada adiantarei da trama mirabolante que tem por cenário a cidade de Frondosa; da misteriosa Ariadne que, em vez de viabilizar a saída do labirinto, puxa para dentro; da família italiana mafiosa, do professor falsário ou do jornalista stalinista. O painel se abre com imaginação, apoiado nos achados de humor ou no requinte de soluções clássicas, como a do "romance dentro do romance".
Também não direi que tudo gira em torno de capítulos de originais que são lidos por um parecerista de editora, posto a comandar a invertida "Operação Teseu"; nem que, como romance policial autêntico, tem boa surpresa no fim.
O narrador faz referências ao camaleão, "bicho que se adapta a qualquer circunstância e desaparece contra o fundo" e que, se visto, não será um "camaleão perfeito". Contra o fundo desse romance, recorta-se o engenho implacável do humor de LFV.

ALCIDES VILLAÇA é professor de literatura brasileira na USP.


OS ESPIÕES

Autor: Luis Fernando Verissimo
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 31,90 (144 págs.)
Avaliação: ótimo




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