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Crítica/"Os Espiões"
Luis Fernando Verissimo usa humor engenhoso em policial
Autor adiciona achados cômicos a ingredientes clássicos de tramas detetivescas
ALCIDES VILLAÇA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em "Os Espiões", Luis
Fernando Verissimo
tomou para si a missão
de um romance policial, atendendo a seu gosto por autores
como John le Carré e Simenon.
Felizmente, não precisou
deixar de ser grande humorista,
pelo contrário: aproveitou alguns estereótipos das situações
de espionagem (como "nosso
homem dentro") para dar matéria às operações de base de
seu humor: o pleno domínio do
ritmo da narração, a reiteração
obsessiva de detalhes reveladores, a exploração dos registros
da paródia literária, a caricatura do intelectual, o nonsense e
as farsas cotidianas -tudo simulando servir a um realismo
provinciano, mas promovendo
finas análises de tipos e valores
humanos.
Assim é que nossa resposta à
epígrafe do livro -"O que amarei se não for o enigma?" (de
Chirico)- será "o humor", esse
tirano que, uma vez instalado,
se apresenta como solução de
tudo, porque sabe dissolver tudo na matéria do risível.
Do
prazer que nos dá fica uma espécie de acidez residual e libertária, cujo teor corrosivo depende do humorista.
É amplo, como se sabe, o espectro do humor de Verissimo,
que vai do acento forte da súbita gargalhada ao traço continuado daquele sorriso em que
disputamos graus de sutileza
com o narrador.
Quanto à queda de braço entre os gêneros da ficção de humor e a policial, LFV não dispensou um ardiloso roteiro de
ações, difícil de engendrar e imprescindível nos romances policiais, mas subordinou-o a impagáveis achados cômicos, entre eles o de um padre surdo
que obriga seus fiéis a confissões gritadas na igreja, diante
de plateia já habitual.
O saldo é estimulante, pois o
leitor fica preso a uma trama
detetivesca que funciona como
base para todos os risos. Se quiser mais, encontra: as insistentes remissões literárias em modo rebaixado, as exibições de
falsa erudição e as referências
ao mercado cultural fazem uma
espécie de baixo contínuo que
refere o lado menos festivo da
história moderna (também representado, com outro humor,
nos livros de Chico Buarque).
Nada adiantarei da trama mirabolante que tem por cenário
a cidade de Frondosa; da misteriosa Ariadne que, em vez de
viabilizar a saída do labirinto,
puxa para dentro; da família
italiana mafiosa, do professor
falsário ou do jornalista stalinista. O painel se abre com imaginação, apoiado nos achados
de humor ou no requinte de soluções clássicas, como a do "romance dentro do romance".
Também não direi que tudo
gira em torno de capítulos de
originais que são lidos por um
parecerista de editora, posto a
comandar a invertida "Operação Teseu"; nem que, como romance policial autêntico, tem
boa surpresa no fim.
O narrador faz referências ao
camaleão, "bicho que se adapta
a qualquer circunstância e desaparece contra o fundo" e que,
se visto, não será um "camaleão
perfeito". Contra o fundo desse
romance, recorta-se o engenho
implacável do humor de LFV.
ALCIDES VILLAÇA é professor de literatura
brasileira na USP.
OS ESPIÕES
Autor: Luis Fernando Verissimo
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 31,90 (144 págs.)
Avaliação: ótimo
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