São Paulo, sexta, 5 de dezembro de 1997.




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CINEMA ESTRÉIAS
'O Cineasta...' mostra Amazônia oculta

JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha

"O Cineasta da Selva", de Auré lio Michiles, recupera a vida e a obra de um personagem fascinan te: o documentarista luso-amazo nense Silvino Santos (1886-1970), que em dezenas de filmes de curta e longa metragem registrou ima gens preciosas do Brasil, sobretu do da floresta amazônica.
O filme ganhou no recente Festi val de Brasília o prêmio da Unesco (dividido com "Anahy de las Mi siones") e o de melhor longa de estreante.
De acordo com o diretor amazo nense Aurélio Michiles, 44, "O Ci neasta da Selva" surge como "consequência natural" de sua atividade de documentarista. "Sil vino Santos é um mito da Amazô nia. Como eu também vim de lá, sabia que em algum momento en contraria esse mito para desven dá-lo", disse ele à Folha.
Ao iniciar a pesquisa para seu fil me, o cineasta percebeu a extensão de seu desafio. "Havia um mate rial de valor inestimável filmado por Silvino, mas estava disperso e em várias bitolas: 9 mm, 16 mm, 35 mm e até U-Matic."
Para não se perder em meio a es se material, Michiles usou como guia a tese da pesquisadora Selda Vale sobre Silvino Santos e criou uma estrutura narrativa que mis tura documentário e reconstitui ção histórica.
Imagens de Silvino
"A forma que encontrei para mostrar as aventuras de Silvino na selva foi colocar um ator (José de Abreu) fazendo o papel dele e con tando sua história."
Mas o grosso (e o fino) de "O Cineasta da Selva" são as imagens captadas por Silvino Santos.
Na parte biográfica, o filme mos tra como ele chegou a Belém em 1899, aos 13 anos, e em pouco tem po aprendeu fotografia e pintura. Em Manaus, para onde se mudou em 1910, conheceu o empresário Julio Cesar Araña, que se tornou seu protetor e mecenas.
Foi graças ao apoio de Araña que Silvino pôde aprender cinema em Paris, nos estúdios da Pathé e no laboratório dos irmãos Lumière.
De volta ao Brasil, o cineasta tor nou-se logo conhecido, com fil mes como "No País das Amazo nas" (1922) e "Terra Encantada" (1923), este último rodado no en tão paradisíaco Rio de Janeiro.
Ainda nos anos 20, Silvino pas sou uma temporada em Portugal, onde ao longo de três anos realizou 35 curtas-metragens.
Depois disso, de novo no Brasil, ele praticamente se limitou a reali zar filmes domésticos para seus patronos.
Para reconstituir sua trajetória, Aurélio Michiles filmou nos arre dores de Manaus e de Belém e en frentou problemas práticos seme lhantes.
"Imaginávamos as dificuldades por causa dos relatos. Fomos lá e sofremos tudo na pele: insetos, ca lor, umidade. Imagine Silvino, há mais de 70 anos, carregando aque le equipamento pesado pela mata, com apenas um índio como aju dante", diz o diretor.
Satisfeito com o resultado de seu "O Cineasta da Selva", Michiles prepara agora um longa-metra gem semidocumental sobre outro tema polêmico e esquecido: a his tória dos jovens que, em 1966, par ticiparam da guerrilha no rio Ne gro e foram massacrados. "Eles não entram nem na história ofi cial, nem na história da esquerda. É como se não existissem."



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