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Verdadeira violência de "Funny Games" está em sua crítica
CECÍLIA SAYAD
da Redação
"Funny Games - Violência Gratuita" é, definitivamente, um filme incômodo. Em sua exibição em
Cannes neste ano, algumas pessoas abandonaram a sala antes do
término da projeção. Não sabem o
que perderam.
Contrariamente ao que pode parecer, o que perturba no filme do
austríaco Michael Haneke não é a
violência em si. É a curiosidade e,
no limite, o prazer que ela desperta. Ou ainda, os momentos que sucedem um ato de violência.
A situação é a seguinte: pai, mãe
e filho vão para uma casa de férias.
Lá chegando, dois jovens, hóspedes de seus vizinhos, aparecem para pedir ovos. E de lá não saem,
prometendo que ninguém chegará
com vida até o final da noite.
Tome-se, primeiramente, a
questão da curiosidade. Aqui, trata-se de um dos raros casos em que
a tradução brasileira para um título estrangeiro vem contribuir à intenção do diretor. Porque quem
sai de casa para ver um filme chamado "Violência Gratuita" sabe
muito bem que pode assistir a coisas terríveis.
Só que, em "Funny Games", o
diretor, em vez de ignorar o fato ou
achar que ele não tem nada de
mais, apelando para justificativas
como a necessidade de catarse etc.,
chama a atenção do público para
isso, colocando-o como cúmplice
dos jovens psicopatas.
O incômodo começa aí. O psicopata olha para a câmera e dá uma
piscadela, provocando uma quebra brechtiana -o público se lembra de que o que está vendo é só
um filme. Ao mesmo tempo, essa
quebra serve para dizer ao espectador que ele está aceitando e participando daquilo que vê.
Segundo fator de provocação: o
prazer que a violência desperta nos
jovens, que choca mais do que socos e tiros. Mesmo porque isso mal
aparece. O filme oferece somente
os momentos pré e pós-violência.
A execução de um dos membros
da família, que se dá na sala, acontece enquanto a câmera mostra
um dos psicopatas na cozinha.
Quando a cena volta para o outro
cômodo, o que é apresentado é um
silêncio torturante que se sucede
ao crime. Silêncio que se revela
muito mais terrível de ser presenciado do que o crime em si.
Novamente, Haneke alfineta o
espectador. A um só tempo, brinca
com o fato de, da violência, que ele
sabe que vai presenciar, só lhe serem oferecidos alguns elementos
(sobretudo sonoros), dando-lhe
liberdade para ele mesmo elaborá-la pela imaginação -colocando-o, mais uma vez, como cúmplice, desta vez ativo, uma vez que cabe ao público montar a cena, que
não vê, em sua cabeça.
Haneke tem um grande mérito.
Não atinge o público no estômago,
mas na consciência. Assistir ao filme até o fim não demonstra sangue frio ou estômago forte, e sim
capacidade para refletir sobre sua
própria relação com a violência.
Ou sobre como a violência é tratada no cinema. Aqui, despida da
estética que a torna não só tragável, mas comercializável, ela se revela muito mais chocante. Por
quê? Novamente, porque o foco do
filme é sobre o prazer que ela desperta, do qual Haneke nos faz
cúmplices.
Identificando o espectador ao
objeto criticado -os que têm
"atração" pela crueldade-, a
provocação de Haneke se faz muito eficaz. Por fim, a verdadeira violência de "Funny Games" está em
sua crítica. Vale a pena aguentar.
Filme: Funny Games - Violência Gratuita
Produção: Áustria, 1997
Direção: Michael Haneke
Com: Susanne Lothar, Ulrich Mühe, Frank
Giering
Quando: a partir de hoje, no Cinearte 1 e
no Espaço Unibanco 1
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