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VÍMANA
'Era tão decepcionante que nem podre tinha'
do enviado especial ao Rio
A convite da Folha, Lulu Santos,
Ritchie e Lobão se reencontraram
no Rio para uma sessão de mais de
duas horas de lembranças sobre a
era Vímana de suas carreiras. Leia,
a seguir, trechos da conversa.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Folha - Como tudo começou?
Lulu Santos - Eu tinha um conjunto de rock, chamado Veludo
Elétrico, que se desfez. Metade dele se agregou à célula inicial de um
dos primeiros conjuntos nacionais
de rock pesado, Módulo Mil. Era
um grupo estabelecido e respeitado na cena de rock emergente -e
submergente ao mesmo tempo (risos). Fazia até rock em latim!
Meu conjunto, que era maravilhoso -um foi preso, outro pirou,
outro a mãe tirou-, faliu, e fui um
dia tirar um som com os caras, e
rolou. Passamos a ser um quarteto
que se chamou Vímana.
Ritchie - Isso tudo é pré-nós.
Lulu - A gente se mudou para a
mesma casa, comunidade hippie,
arroz integral... Aí o baterista,
Candinho, virou hare krishna,
não, discípulo do guru Maharaji.
Ritchie - Eu era também. Peguei
em 68, fiquei um ano assim...
Folha - O nome surgiu daí?
Lulu - Foi uma colaboração minha. O que Vímana significa na
cosmogonia sânscrita -é uma palavra em sânscrito- é "carruagem dos deuses". Mas eu achava
que Vímana era o disco voador.
Lobão - Quando ouvi falar do
grupo, havia um personagem do
"National Kid" que se chamava
Vímana.
Lulu - (Surpreso) É mesmo?
Lobão - É. Fui ver o show até
meio a contragosto, só porque
achava que era uma sátira ao "National Kid".
Folha - Como entraram Ritchie e
Lobão?
Ritchie - Eu conheci o Luiz Paulo num show do King Crimson, em
Londres, e quando vim para o Brasil o reencontrei. Tinha uma banda
em São Paulo, Scalácida, que ia
abrir para A Bolha no Rio. Sem
modéstia nenhuma, eu limpava o
chão para eles. Na platéia estava a
nata dos roqueiros, e conheci essas
bandas brevemente.
Quando vim morar no Rio, estava tocando em conjuntos até mesmo de MPB -como gringo, estava
querendo entender aquilo melhor.
Lulu - Não, você estava tocando
na Barca do Sol, um grande conjunto carioca.
Ritchie - Justamente, mas muito
desorientado. Eles achavam que
era sacrilégio eu cantar em português. Acabei me desentendendo e,
praticamente no mesmo dia, encontrei Lulu e Luiz Paulo. "Pô, a
gente estava esperando você sair
dessa merda pra chamar você."
Lulu - Aí fui à sua casa convidar
você para entrar no grupo. Levei
uma maria-mole.
Ritchie - É isso! (Risos.) Eu tive
que experimentar a maria-mole!
Eu não sabia o que fazer com aquilo! Mas fiquei superfeliz de saber
que alguém sabia que eu cantava e
queria que eu cantasse.
Lobão - E eu, afinal, quando vi o
show, gostei demais do grupo.
Lulu - Como o Lobão entrou no
conjunto foi o seguinte: eu estava
numa loja de discos, e uns garotos
lá fora, na vitrine, apontavam para
mim, fazendo gestos. Um deles,
Rui Márcio, entrou e disse: "Você
não é o Lulu, do Vímana?". "Sou."
"Não está precisando de baterista?" "Estou." "Eu conheço o melhor baterista do Brasil." "Como
chama?" "Lobão."
Lobão - Eu fazia um certo gênero, queria largar a bateria e tocar
violão clássico. Ouvia o que os outros garotos ouviam, mas dizia que
não gostava, que era uma porcaria.
Entrei no Vímana, era um fedelho
superprotegido pela mãe, que gritava: "Maconheiros!", "Não
vai!". Lulu era má companhia.
Lulu - Eu era hippie! E o Ritchie
morava num conjugado com a
mulher, Leda. Uma das histórias
mais lindas que eu já vivi: eu na casa do Ritchie, Leda chegou, às seis
da tarde, com uma bisnaga. Partiu
em dois, encheu com algum recheio, e Ritchie disse: "Dá licença
que este é meu jantar" (risos). Corta pra depois o cara cantando
"Menina Veneno". Coisa linda!
Lobão - Quando cheguei, cheguei nervoso, com fixador na cabeça, nunca tinha tocado numa
banda. Aquilo estava sendo uma
aventura, tinha que ir para São
Paulo tocar com a Marília Pêra.
Minha mãe: "Não, esse garoto não
vai, ele é menor de idade!"
Lulu - Ele tinha 17!
Ritchie - Antes do show, o teatro
ficava livre e podíamos ensaiar o
Vímana. Foi a primeira oportunidade que tivemos de realmente ensaiar com essa formação.
Folha - O Vímana era sério?
Lobão - Era a nossa vida!
Ritchie - Nós éramos absolutamente dedicados!
Lobão - Eu pensava que ia encontrar sexo, que ia parar de me
masturbar.
Folha - Que quantidade de material vocês chegaram a ter?
Lulu - Um LP.
Ritchie - Nem era muito vasto,
cada música era muito complexa.
Lobão - Dez, 15, 17 minutos...
Lulu - Mas, no final, quando acabou, havíamos desenvolvido o que
era nosso melhor material, que foi
excelente para a composição individual de cada um de nós depois.
Eu dizia que a gente tinha duas
posturas naquele momento: ou virava um superconjunto brasileiro
ou ia atrás do Patrick Moraz, que
apareceu querendo nos empresariar. O consenso foi ir com ele. Ele
falava em cachê de US$ 20 por
apresentação, era uma coisa absolutamente colonizadora, pirata.
Ritchie - Na nossa ingenuidade,
enxergamos nele uma saída para
todas as nossas ideologias. O Lulu
teve o bom senso de perceber que
não era nada daquilo. Eu, ingenuamente, caí direto.
Lulu - E em seguida vocês me
imolaram, em função dele. Talvez
ele tenha sido o agente ideal do
destino, o anjo exterminador. E
você, Lobão, foi o exterminador
do exterminador, porque tirou a
mulher e a casa do cara (risos).
Com o benefício da história e
agência do Lobão, acaba esse caso
maravilhoso: ele era casado com
essa moça de boa família mineira,
estabelecido num casarão deslumbrante com piano de cauda -e o
Lobão tomou a mulher dele!
Depois eles foram lá me defenestrar, dizer que, como era eu ou Patrick, iam seguir com Patrick. Lobão foi liderando a tropa, insuflado pelo ódio surdo do outro que
queria aquela vingança.
No final, Ritchie se virou e chorou. Depois disso ele nunca mais
na vida teve nenhum tipo de demonstração de afeto (risos). Sempre valorizei aquele momento,
porque imagino o quanto aquilo
tinha sido maior que a natureza de
inglês reprimido dele.
Folha - Existe uma lenda de que
os próprios integrantes do Vímana
preferem esquecer o passado...
Lulu - No final, a gente havia
feito as melhores canções. Nós três
tínhamos canções boas o suficiente. Já havia músicas baseadas no
encadeamento harmônico de canções disco. Ritchie já estava com
um número de canções delicadas.
Mas naquela hora houve muita
frustração, eram umas jams intermináveis, 14 minutos de "blrrrr".
Um dia, num ensaio, saí, fumei
um baseado na pedra e pensei: esse
som não é nada (risos).
Ritchie - É uma merda.
Lobão - E a convivência foi como
um serviço militar.
Lulu - Foi psicodrama.
Lobão - Esse cara (o Lulu) me desarmou, me convenceu a comer
carne. Era psicodrama mesmo.
Lulu - Uma vez falei que não gostava de esfregar em você (Lobão)
porque tinha pêlo no braço e eu
sentia uma coisa que fazia lembrar
meu irmão. Lembra? Você ficou
ofendidíssimo. Olha a que nível as
coisas chegavam! Naquela época,
o coração da década de 70, a gente
morava numa nação esfacelada. A
estrutura era de repressão...
Lobão - E a gente não entendia
nada de nada.
Lulu - E o pouco que entendia,
sentia muito medo. Toda uma vertente do país tomou a questão do
comportamento para se salvar.
Pensa no Arnaldo Baptista, um
pouco mais velho que a gente, que
talvez não tivesse mais inocência
ou saco ou tempo para gastar com
aquela merda toda, que mais uma
vez impedia o crescimento de um
artista genial como ele era.
Ritchie - As gravadoras diziam: o
rock nunca vai ter público, vocês
estão falando para a parede. Quem
vendia disco era a Diana Pequeno.
Então algumas pessoas cultuavam
o Vímana como única expressão
de alguma coisa.
Folha - Por que o LP nunca saiu?
Lulu - Porque nenhuma gravadora se interessou por ele.
Lobão - Não, na verdade não.
Aconteceu uma coisa horrorosa, o
Lulu saiu. O disco deveria sair.
Ritchie - Não, promessas, promessas. Você, ingenuamente,
acreditava. O compacto, gravado
em 76, levou oito meses para sair.
Lulu - Essa capa é do Carlos Vergara, não é, Ritchie?
Ritchie - Não, acho que é a fotografia do tapete lá de casa (risos).
Lulu - Não foi o Vergara que fez
essa capa, Ritchie?
Ritchie - Não, ele fez a capa do
"Menina Veneno". Eu acho que
não, hein?
Lulu - Eu acho que sim.
Ritchie - Eu acho que sim!
Folha - Vocês têm algum "podre" do Vímana para contar?
Lobão - Era tão decepcionante
que não tinha podre! (Risos.)
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