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MÚSICA
66º disco do grupo, que será lançado pela Trama, traz músicas desconhecidas de Adoniran Barbosa
Demônios gravam "lado B" do samba
ANDRÉ BARCINSKI
especial para a Folha
Os Demônios da Garoa, um dos
grupos mais importantes e duradouros da música brasileira, está
concluindo um novo disco com
canções do maior cronista-humorista do samba paulistano,
Adoniran Barbosa (1910-1982).
Até aí, nada de novo: o grupo já
gravou 65 discos em 57 anos de
carreira e transformou várias músicas de Adoniran -"Trem das
Onze", "Samba do Arnesto",
"Saudosa Maloca", "Iracema"-
em clássicos da MPB.
A novidade está na escolha do
repertório: em vez de regravar sucessos, os Demônios resolveram
arriscar em músicas menos conhecidas de Adoniran. Incluíram
até uma inédita, "Tadinho do Home" (leia trecho ao lado).
"A idéia foi resgatar várias músicas ótimas que estavam meio esquecidas," diz Toninho Gomes,
73, um dos fundadores do grupo.
"Às vezes, lançávamos um disco
com oito ou dez músicas, mas só
uma ou duas estouravam. Nós fomos pesquisar e vimos que existiam muitas músicas maravilhosas que acabaram não tendo o sucesso que mereciam."
É o caso, por exemplo, de "Prova de Carinho", um belo samba
de Adoniran que deu o azar de ter
sido lançado no mesmo disco de
"Trem das Onze", em 1965, e acabou eclipsada pelo sucesso desta.
Ou de "Malvina", samba que,
apesar de campeão do Carnaval
paulista de 1951, logo sumiu da
programação das rádios.
O novo disco dos Demônios da
Garoa, produzido por Luis Paulo
Serafin e com lançamento marcado para fim de março, pela gravadora Trama, promete ser uma injeção de ânimo na carreira do
grupo. "Não faria sentido regravar novamente "Trem das Onze"
ou "Saudosa Maloca'", diz Toninho Gomes.
"Queríamos mostrar que nosso
repertório tem muitas outras músicas boas." Além de Gomes, o
outro remanescente da formação
original dos Demônios é Arnaldo
Rosa, 71. A formação atual do
grupo inclui ainda Izael Caldeira
(percussão), Roberto Barbosa
(cavaquinho), Sydnei Cláudio
(violão), Marco Antônio Bernardo (teclados) e o pandeirista Sérgio Rosa, filho de Arnaldo.
O disco terá 13 faixas e participações especiais de alguns convidados. Jair Rodrigues cantou o
samba "Mulher, Patrão e Cachaça", Leci Brandão foi convidada a
cantar "Apaga o Fogo, Mané", e o
rapper Thaíde foi chamado a colaborar no "Samba do Bixiga".
Leci e Thaíde ainda não gravaram suas participações, mas o
produtor Luis Paulo Serafin diz
que espera tê-los no estúdio em
poucas semanas. Fãs dos Demônios podem estranhar a presença
de Thaíde, mas Serafin garante
que o grupo não pretende enveredar pelo rap ou outros gêneros:
"O Thaíde fará uma participação
vocal, mas a música continua
100% Demônios. A pior coisa que
um produtor poderia fazer com
os Demônios seria mudar o som
deles. A sonoridade do grupo é
única; você ouve dois segundos e
já sabe que são eles".
Os Demônios vêem o novo disco como uma reação à atual fase
da indústria fonográfica brasileira, marcada por lançamentos
oportunistas. "Fomos procurados por muitas gravadoras, que
nos pediram um disco ao vivo
com os maiores sucessos, como
está todo mundo fazendo agora,"
diz Odilon Mario Cardoso, empresário do grupo. "Mas não era
isso que queríamos fazer."
O pandeirista Sérgio Rosa reclama do monopólio do pagode e do
axé e resume a situação: "Hoje, na
música brasileira, quem tem bunda vai a Roma. Eu tenho bunda,
mas não quero ficar mostrando
por aí, mesmo porque ninguém
iria querer ver a minha".
A solução foi buscar um novo
repertório. Cavucando fundo na
memória e ouvindo novamente
os velhos 78 rotações dos anos 50,
o grupo chegou às 13 músicas do
disco.
As faixas abrangem quase 30
anos de carreira de Adoniran, de
1951 ("Malvina") até a inédita
"Tadinho do Home", composta
em 1980 em parceria com Roberto Barbosa, o Canhotinho, atual
membro dos Demônios. Canhotinho guardou a letra de Adoniran
durante quase 20 anos.
Toninho Gomes foi apresentado a Adoniran no início dos anos
50, na Rádio Nacional, e diz que
nunca conheceu um compositor
tão talentoso e indisciplinado:
"Ele escrevia coisas e depois esquecia as letras numa gaveta qualquer." Gomes lembra que a letra
de "Trem das Onze" ficou quatro
anos mofando numa pasta, até
que os Demônios resolveram gravá-la.
"A letra original da música era
muito grande e complicada; era
impossível botar uma música que
casasse com aquelas palavras.
Nós tentamos um bocado e depois desistimos. Isso foi em 1961.
Mais de três anos depois, num ensaio, alguém lembrou da letra, e
daí resolvemos tentar de novo. Tivemos de cortar mais da metade
das palavras, mas a música ficou
uma beleza. Lembro que o Adoniran, depois que ouviu, ficou gritando: "Vocês estragaram a minha
música!" Daí o disco estourou e ele
ficou quietinho, nunca disse para
ninguém que a gente tinha cortado a letra. O que nós já consertamos de música do Adoniran não
está escrito."
Apesar de otimistas com o disco, os Demônios sabem que o retorno financeiro será pequeno. O
percentual que cabe aos artistas é
baixo e, como são muitos os integrantes do grupo, o lucro final de
cada um é uma miséria. O grupo
sempre viveu mesmo de shows.
Em 99, os Demônios se apresentaram 70 vezes por todo o Brasil,
marca considerada ruim para a
banda, que costuma fazer em média 110 shows por ano.
"Com a crise, o número baixou", diz Toninho Gomes, que
calcula já ter feito mais de 6.000
shows na carreira. "O disco serve
mais para colocar nosso nome na
mídia e conseguirmos agendar
shows." Com direito autoral, Gomes parou de se preocupar há
muito tempo. "Outro dia recebi
um cheque pelos direitos de intérprete de "Trem das Onze". Sabe
quanto nós faturamos num trimestre? Exatos R$ 65!" Sérgio Rosa diz que pretende enviar à Rede
Globo uma fita com a ótima
"Samba Italiano", do novo disco.
"Ouvi dizer que a "Terra Nostra"
vai dar um pulo no tempo e chegar aos anos 40 e 50. Por que não
põem essa música na trilha sonora? Cairia como uma luva!" Enquanto a Globo não vem, Toninho Gomes diz: "Eu sei que, se
fosse americano, estaria rico, curtindo meu iate em Miami. Mas
não tem problema, eu sempre
preferi o Jabaquara mesmo".
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