São Paulo, sábado, 06 de janeiro de 2001

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"HISTÓRIAS DO PODER"

Relatos ajudam estudo da política

MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO

"Histórias do Poder - Cem Anos de Política no Brasil" reúne 52 depoimentos sobre a história do país no século 20. Organizada pelos jornalistas Alberto Dines, Florestan Fernandes Jr. e Nelma Salomão, representa contribuição significativa para o estudo da política brasileira.
O painel, abrangente, inclui entrevistas com políticos (José Sarney, Itamar Franco, Antonio Carlos Magalhães, Lula, Leonel Brizola), generais (Octavio Costa, Rubens Bayma Denys), artistas (Ferreira Gullar, Fernanda Montenegro), intelectuais (Miguel Reale, Maria Victoria Benevides) e empresários (José Mindlin, Octavio Frias de Oliveira), entre outros.
O grau de objetividade dos relatos oscila muito. Alguns políticos se empenham em apresentar versões favoráveis sobre episódios polêmicos. O presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, quer esclarecer o convite que recebeu de Fernando Collor de Mello para assumir o Itamaraty.
FHC e Tasso Jereissati foram recebidos no Planalto e instados a assumir ministérios. Não recusaram de imediato. FHC se disse honrado com o convite, mas precisava ouvir o partido.
"Ficaria muito mal se nós saíssemos daqui ministros." Collor deu então 24 horas de prazo. "Íamos recusar. O senador Mário Covas foi para a televisão, acho que na Manchete, e disse que era inaceitável que nós participássemos do governo. Ele já sabia que eu não ia. Toda hora vejo nos jornais que Covas me impediu de ser ministro do Collor. Não é verdade. Ele não queria, mas eu também não", diz FHC.
Mais adiante, sem ser questionado sobre o caso da compra de votos para aprovar a emenda da reeleição, declara: "Reeleição não é continuísmo, porque pergunta-se ao povo se quer que continue ou não. Agora, uma terceira vez, como outros países estão fazendo, eu acho demais". No final da entrevista, FHC volta a tocar no tema: "A minha motivação não é a de dizerem depois: "Foi reeleito tantas vezes". É se mudou ou não mudou o rumo do Brasil".
Em geral, as entrevistas mais interessantes são aquelas com personagens de importância secundária na cena política (artistas, assessores, jornalistas), menos preocupados com sua imagem.
Celina Vargas observa que o projeto de Getúlio Vargas estava condicionado pela natureza da economia gaúcha, voltada para o mercado interno, que se contrapunha aos setores exportadores: "Havia necessidade de fortalecer o mercado interno (...) Acho que todo o modelo político dele passa exatamente por essa visão".
Particularmente esclarecedora é a entrevista do padre Oscar Beozzo sobre as relações entre o Estado e a Igreja Católica -em especial sobre a ofensiva católica após a Revolução de 1930 para que as mulheres ganhassem o direito de votar: "A campanha pelo voto feminino, decisiva, foi da igreja. Porque ela achava que elas votariam num programa da igreja".
O jornalista Villas-Boas Corrêa conta como foi a queda de Vargas em 45 e como ficou abismado ao ver a vida frugal que levava na fazenda: "Getúlio nos recebeu sentado numa rede na varanda, vestido a caráter -bombacha, blusão e chinelos. Uma mosquinha caiu no copo, ele catou com o dedo mindinho, gordo, e continuou a beber, quieto, o seu uísque".
O político Paulo de Tarso descreve os discursos de Jânio Quadros: "Dizem que sou feio. Realmente, mas eu não sou candidato a miss (...) Dizem que tenho vários defeitos, que eu falo de uma determinada maneira. De tudo me acusam, menos de ladrão. E é precisamente de ladrão que eu acuso o candidato do governo". Na campanha de 1953, Jânio, sem dinheiro, pregava nos cartazes coloridos do adversário pedaços de papel com os dizeres: "Jânio não tem dinheiro para fazer cartaz, mas tem cartaz para vencer o dinheiro" (seu adversário recolheu os cartazes).
Paulo de Tarso exibe também a cópia de um bilhete de Jânio sugerindo aos ministros militares a anexação das Guianas em 1961.
D. Paulo Evaristo Arns relata que, em 1964, foi ao encontro das tropas que deixaram Minas para depor João Goulart, às quais expressou seu apoio, e como passou a reagir às violações dos direitos humanos no regime militar.
O ex-deputado comunista Marco Antônio Tavares Coelho, preso em 1975, revela que os militares da linha-dura acreditavam que o PCB tinha ligações com o general Golbery do Couto e Silva: "Eu passei várias horas sofrendo nas torturas porque eu tinha que responder uma coisa que eu não podia responder: qual era nossa ligação com Golbery? Nenhuma".
A obra tem 319 fotos e reproduções. Algumas legendas, porém, carecem de ajustes. No volume 1, as legendas das páginas 21, 23 e 27 apontam o general Odylio Denys como Bayma Denys, o que é inexato: o sobrenome Bayma constava do nome da mulher do general (Maria Helza Bayma) e daí passou ao filho (Rubens Bayma Denys).
A legenda da pág. 183 do volume 1 cita os "generais Ernesto Geisel, Golbery Couto e Silva e Mourão Filho, em fevereiro de 1975". Na verdade, o terceiro personagem é o general Hugo Abreu (Mourão Filho morreu em 1972).


Histórias do Poder
   
Autores: Alberto Dines, Florestan Fernandes Jr. e Nelma Salomão
Editora: 34
Quanto: R$ 75 (3 vol.)




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