São Paulo, quinta, 6 de fevereiro de 1997.

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CHINA
Livros do escritor não sofrem cortes no país, segundo Fan Weixin, tradutor de quatro obras do brasileiro
Censura tolera ``pornografia'' de Amado

JAIME SPITZCOVSKY
de Pequim

A censura chinesa tolera a ``pornografia'' que aparece em trechos dos livros de Jorge Amado. A implacável tesoura do Partido Comunista, que busca proteger o país das ``influências decadentes'', não mexeu nas obras do escritor brasileiro, segundo o chinês Fan Weixin, responsável pela tradução de quatro livros de Jorge Amado.
Jornalista do departamento de português da rádio Pequim, Fan Weixin, 56, começou suas traduções de Jorge Amado em 1983, com ``Mar Morto''. Na época, livros do escritor baiano já haviam sido publicados no país, mas em geral eram traduções feitas a partir de versões em francês ou russo.
Fan Weixin traduziu ainda ``Velhos Marinheiros'' e ``Tocaia Grande''. Em 1987, foi a vez de ``Dona Flor e Seus Dois Maridos'', em parceria com Sun Cheng Ao.
Leia os principais trechos da entrevista do tradutor à Folha.

Folha - Qual a maior dificuldade que o senhor enfrentou na hora de traduzir as obras de Jorge Amado?
Fan Weixin -
As expressões regionais. No caso de ``Dona Flor e Seus Dois Maridos'', por exemplo, foi muito difícil traduzir os nomes dos pratos. Em 87, fui a Lisboa e Paris e aproveitei para visitar o Jorge Amado. Naquela ocasião, o próprio escritor me perguntou como eu fazia para traduzir os nomes dos pratos. Tinha que encontrar um termo que não fosse apenas uma transliteração, ou seja, não apenas copiar o som em chinês. O prato perde sabor assim! Buscava uma expressão ou um prato semelhante, que significasse algo para o leitor chinês. Dizem que tradução é traição. Eu tentava trair menos.
Folha - Também aparecem palavrões e situações, digamos...
Fan -
Pornográficas.
Folha - E a China é uma sociedade mais conservadora. Como o senhor traduziu essas passagens?
Fan -
O Jorge também me fez essa pergunta. Eu traduzi tudo literalmente. São obras clássicas, não poderiam ser alteradas.
Folha - Por que as autoridades chinesas toleram esse elemento da obra de Jorge Amado que o senhor chamou de ``pornográfico''?
Fan -
Elas encaram com naturalidade. Sabem que é uma obra escrita por um brasileiro e sabem que a vida no Brasil é diferente. E a curiosidade do leitor é justamente encontrar as diferenças.
Folha - Qual livro de Jorge Amado fez mais sucesso na China?
Fan -
``Dona Flor e Seus Dois Maridos''.
Folha - Por que ``Dona Flor e Seus Dois Maridos'' fez mais sucesso?
Fan -
Difícil dizer. Tem um título com apelo, talvez, ao falar de uma mulher e dois maridos. É uma obra que liga elite e povo.
Folha - O senhor tem planos de traduzir mais livros de Amado?
Fan -
No momento não, por causa da questão dos direitos autorais. A China agora segue as regras mundiais nesse campo, e para as editoras ficou muito caro publicar obras estrangeiras. A editora Chung Feng quer editar obras completas do Jorge Amado. O projeto está com problemas, pois o pagamento dos direitos autorais praticamente inviabiliza o plano do ponto de vista financeiro.
Folha - Ou seja, pelas traduções iniciais, Jorge Amado não recebeu pagamento?
Fan -
Não. As edições saíram antes de a China aderir aos acordos internacionais nessa área.
Folha - O senhor traduziu outros autores brasileiros?
Fan -
Traduzi Érico Veríssimo -``Incidente em Antares'', junto com um colega, e ``Senhor Embaixador'', sozinho.
Folha - É mais difícil traduzir Jorge Amado ou Érico Veríssimo?
Fan -
Jorge Amado, porque ele usa mais regionalismos. Mas há um aspecto pessoal. Sempre trabalhei como jornalista, com notícias. E o texto de Érico Veríssimo se aproxima mais desse estilo.
Folha - Sobre literatura brasileira, qual projeto o senhor gostaria de realizar?
Fan -
Há uma edição chinesa de ``Tereza Batista Cansada de Guerra'', de Jorge Amado, que foi traduzida do russo. Mas foi uma edição estragada. Além de vir do russo, cortaram pelo menos um terço da obra. Se tiver oportunidade, gostaria de corrigir essa tradução.

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