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CHINA
Livros do escritor não sofrem cortes no país, segundo Fan Weixin, tradutor de quatro obras do brasileiro
Censura tolera ``pornografia'' de Amado
JAIME SPITZCOVSKY
de Pequim
A censura chinesa tolera a ``pornografia'' que aparece em trechos
dos livros de Jorge Amado. A implacável tesoura do Partido Comunista, que busca proteger o país
das ``influências decadentes'', não
mexeu nas obras do escritor brasileiro, segundo o chinês Fan Weixin, responsável pela tradução de
quatro livros de Jorge Amado.
Jornalista do departamento de
português da rádio Pequim, Fan
Weixin, 56, começou suas traduções de Jorge Amado em 1983, com
``Mar Morto''. Na época, livros do
escritor baiano já haviam sido publicados no país, mas em geral
eram traduções feitas a partir de
versões em francês ou russo.
Fan Weixin traduziu ainda ``Velhos Marinheiros'' e ``Tocaia
Grande''. Em 1987, foi a vez de
``Dona Flor e Seus Dois Maridos'',
em parceria com Sun Cheng Ao.
Leia os principais trechos da entrevista do tradutor à Folha.
Folha - Qual a maior dificuldade
que o senhor enfrentou na hora de
traduzir as obras de Jorge Amado?
Fan Weixin - As expressões regionais. No caso de ``Dona Flor e
Seus Dois Maridos'', por exemplo,
foi muito difícil traduzir os nomes
dos pratos. Em 87, fui a Lisboa e
Paris e aproveitei para visitar o Jorge Amado. Naquela ocasião, o
próprio escritor me perguntou como eu fazia para traduzir os nomes
dos pratos. Tinha que encontrar
um termo que não fosse apenas
uma transliteração, ou seja, não
apenas copiar o som em chinês. O
prato perde sabor assim! Buscava
uma expressão ou um prato semelhante, que significasse algo para o
leitor chinês. Dizem que tradução
é traição. Eu tentava trair menos.
Folha - Também aparecem palavrões e situações, digamos...
Fan - Pornográficas.
Folha - E a China é uma sociedade mais conservadora. Como o senhor traduziu essas passagens?
Fan - O Jorge também me fez
essa pergunta. Eu traduzi tudo literalmente. São obras clássicas, não
poderiam ser alteradas.
Folha - Por que as autoridades
chinesas toleram esse elemento da
obra de Jorge Amado que o senhor
chamou de ``pornográfico''?
Fan - Elas encaram com naturalidade. Sabem que é uma obra
escrita por um brasileiro e sabem
que a vida no Brasil é diferente. E a
curiosidade do leitor é justamente
encontrar as diferenças.
Folha - Qual livro de Jorge Amado fez mais sucesso na China?
Fan - ``Dona Flor e Seus Dois
Maridos''.
Folha - Por que ``Dona Flor e Seus
Dois Maridos'' fez mais sucesso?
Fan - Difícil dizer. Tem um título com apelo, talvez, ao falar de
uma mulher e dois maridos. É uma
obra que liga elite e povo.
Folha - O senhor tem planos de
traduzir mais livros de Amado?
Fan - No momento não, por
causa da questão dos direitos autorais. A China agora segue as regras
mundiais nesse campo, e para as
editoras ficou muito caro publicar
obras estrangeiras. A editora
Chung Feng quer editar obras
completas do Jorge Amado. O projeto está com problemas, pois o
pagamento dos direitos autorais
praticamente inviabiliza o plano
do ponto de vista financeiro.
Folha - Ou seja, pelas traduções
iniciais, Jorge Amado não recebeu
pagamento?
Fan - Não. As edições saíram
antes de a China aderir aos acordos internacionais nessa área.
Folha - O senhor traduziu outros
autores brasileiros?
Fan - Traduzi Érico Veríssimo
-``Incidente em Antares'', junto
com um colega, e ``Senhor Embaixador'', sozinho.
Folha - É mais difícil traduzir Jorge Amado ou Érico Veríssimo?
Fan - Jorge Amado, porque ele
usa mais regionalismos. Mas há
um aspecto pessoal. Sempre trabalhei como jornalista, com notícias.
E o texto de Érico Veríssimo se
aproxima mais desse estilo.
Folha - Sobre literatura brasileira, qual projeto o senhor gostaria
de realizar?
Fan - Há uma edição chinesa de
``Tereza Batista Cansada de Guerra'', de Jorge Amado, que foi traduzida do russo. Mas foi uma edição estragada. Além de vir do russo, cortaram pelo menos um terço
da obra. Se tiver oportunidade,
gostaria de corrigir essa tradução.
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