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São Paulo, quinta-feira, 06 de fevereiro de 2003

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MÚSICA/LANÇAMENTOS

Maranhenses estréiam em grande gravadora, dando ao ritmo politizado uma faceta apaixonada

Mano Bantu injeta "acessórios" no reggae

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Dreads mais atentos já devem ter dançado ao som de Mano Bantu ou Nego Banto, como costumava se chamar até 2001 o grupo maranhense formado por Gerson da Conceição e Moisés Mota em 1997. Mas só agora, depois de fincar suas raízes em São Paulo, os reggaeiros lançam seu disco de estréia por uma grande gravadora, a Warner.
Com a autoridade de alguém que foi criado na capital do reggae brazuca, a cidade de São Luís do Maranhão, o baixista Conceição, desviado de um curso de engenharia, avisa: "Não nos fechamos em um estilo, no roots reggae ou no ska. Tocamos reggae, dub, MPB, rock steady, lovers rock...".
Esse último, explica Conceição, é derivado da cultura de radiola que levava aos bailes da capital maranhense discos de Dennis Brown, Gregory Isaacs e John Holt, que misturavam o soul da música negra do final dos anos 70 com as linhas de baixo e bateria -"os astros do estilo"- do reggae jamaicano. O "lovers rock" do Mano Bantu aparece assim em faixas como "Down Down" e "Lady Aço", amostras explícitas das melodias mais arrastadas dos vocais de Conceição.
Mais do que a Jamaica, portanto, as pesquisas sonoras do grupo maranhense (que se batiza com um termo ligado ao vocabulário da resistência à escravidão) remontam ao continente africano, Angola, Moçambique, Congo...
"A música africana nunca pensou no compasso quatro por quatro, frio", filosofa Conceição. "Pensa nas subdivisões, nas batidas invertidas, em combater a opressão por meio de sua musicalidade percussiva natural."
A opção nem tão engajada no conteúdo das letras propriamente dito parece se refletir, no entanto, na escolha cuidadosa de cada termo, por sua própria sonoridade, de músicas como "Iê Camará" e "Negra Nagô", em que cantam "Ela é nagô youruba/ veio da África via Jamaica / veio da África para o Maranhão".
"O Maranhão tem um dos maiores contingentes de população negra do Brasil. Nossa cultura é formada por informações vindas de todas as partes do continente africano", diz Conceição, chamando a atenção para a incorporação de ritmos legitimamente brasileiros ao caldeirão black do Mano Bantu: baião, boi de zabumba, tambor-de-criola, bambaê-de-caixa, afoxé...
Isso tudo é folclore, mas os reggaeiros vão além e trazem para a dança rasta standards da MPB como "Na Asa do Vento", de João do Vale e Luiz Vieira; a balada triste de violão "Flores no Asfalto", feita sob encomenda pelo conterrâneo Zeca Baleiro; e até mesmo o rap e o drum'n'bass, na politizada "Esquinas de Agonia", parceria com Adelia Srentzke e Celsinho Black.
"A verdade é que o rap e o reggae também têm suas origens parecidas, vêm da cultura do sound system. No dub ou no hip hop, os DJs pegavam as bases e improvisavam em cima delas nos guetos dos grandes centros", diz o vocalista Conceição.
Enfim, os adeptos de Bob Marley e Peter Tosh podem pensar em torcer o nariz acerca de tantos "acessórios" pendurados em um disco só, mas ali, bem no fundo, na famosa cozinha da banda, o baixo e a bateria continuam a reinar soberanos nos domínios do antigo Nego Banto.


Mano Bantu    
Artista: Mano Bantu
Lançamento: Warner
Quanto: R$ 27, em média



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