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MÚSICA/LANÇAMENTOS
Maranhenses estréiam em grande gravadora, dando ao ritmo politizado uma faceta apaixonada
Mano Bantu injeta "acessórios" no reggae
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Dreads mais atentos já devem ter dançado ao som de
Mano Bantu ou Nego Banto, como costumava se chamar até 2001
o grupo maranhense formado
por Gerson da Conceição e Moisés Mota em 1997. Mas só agora,
depois de fincar suas raízes em
São Paulo, os reggaeiros lançam
seu disco de estréia por uma grande gravadora, a Warner.
Com a autoridade de alguém
que foi criado na capital do reggae
brazuca, a cidade de São Luís do
Maranhão, o baixista Conceição,
desviado de um curso de engenharia, avisa: "Não nos fechamos
em um estilo, no roots reggae ou
no ska. Tocamos reggae, dub,
MPB, rock steady, lovers rock...".
Esse último, explica Conceição,
é derivado da cultura de radiola
que levava aos bailes da capital
maranhense discos de Dennis
Brown, Gregory Isaacs e John
Holt, que misturavam o soul da
música negra do final dos anos 70
com as linhas de baixo e bateria
-"os astros do estilo"- do reggae jamaicano. O "lovers rock" do
Mano Bantu aparece assim em
faixas como "Down Down" e
"Lady Aço", amostras explícitas
das melodias mais arrastadas dos
vocais de Conceição.
Mais do que a Jamaica, portanto, as pesquisas sonoras do grupo
maranhense (que se batiza com
um termo ligado ao vocabulário
da resistência à escravidão) remontam ao continente africano,
Angola, Moçambique, Congo...
"A música africana nunca pensou no compasso quatro por quatro, frio", filosofa Conceição.
"Pensa nas subdivisões, nas batidas invertidas, em combater a
opressão por meio de sua musicalidade percussiva natural."
A opção nem tão engajada no
conteúdo das letras propriamente
dito parece se refletir, no entanto,
na escolha cuidadosa de cada termo, por sua própria sonoridade,
de músicas como "Iê Camará" e
"Negra Nagô", em que cantam
"Ela é nagô youruba/ veio da África via Jamaica / veio da África para o Maranhão".
"O Maranhão tem um dos
maiores contingentes de população negra do Brasil. Nossa cultura
é formada por informações vindas de todas as partes do continente africano", diz Conceição,
chamando a atenção para a incorporação de ritmos legitimamente
brasileiros ao caldeirão black do
Mano Bantu: baião, boi de zabumba, tambor-de-criola, bambaê-de-caixa, afoxé...
Isso tudo é folclore, mas os reggaeiros vão além e trazem para a
dança rasta standards da MPB como "Na Asa do Vento", de João
do Vale e Luiz Vieira; a balada
triste de violão "Flores no Asfalto", feita sob encomenda pelo
conterrâneo Zeca Baleiro; e até
mesmo o rap e o drum'n'bass, na
politizada "Esquinas de Agonia",
parceria com Adelia Srentzke e
Celsinho Black.
"A verdade é que o rap e o reggae também têm suas origens parecidas, vêm da cultura do sound
system. No dub ou no hip hop, os
DJs pegavam as bases e improvisavam em cima delas nos guetos
dos grandes centros", diz o vocalista Conceição.
Enfim, os adeptos de Bob Marley e Peter Tosh podem pensar em
torcer o nariz acerca de tantos
"acessórios" pendurados em um
disco só, mas ali, bem no fundo,
na famosa cozinha da banda, o
baixo e a bateria continuam a reinar soberanos nos domínios do
antigo Nego Banto.
Mano Bantu
Artista: Mano Bantu
Lançamento: Warner
Quanto: R$ 27, em média
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