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MÚSICA
"RAIMUNDO FAGNER"
Gravadora reúne 12 discos do músico, incluindo os clássicos "Ave Noturna" (75) e "Orós" (77)
Caixa recupera a voz áspera e ríspida do Ceará
DA REPORTAGEM LOCAL
No sofrido projeto de reedificação da memória musical
brasileira, é hora e vez do cearense
Raimundo Fagner, 54, que tem 12
de seus discos da fase 1975-85 reeditados em CD numa caixa da
Sony Music.
Com exceção do álbum inaugural "Manera Fru Fru, Manera"
(73), que pertence à Universal, estão ali os trabalhos mais importantes de um artista que até hoje
nunca deixou de ser controverso,
polêmico, áspero, ríspido -na
música e fora dela.
Pertencente à quase sempre instável "turma do Ceará", Fagner
ensaiou liderar uma geração pós-tropicalista de compositores nordestinos, que chegava puxada
também por seus conterrâneos
Belchior e Ednardo e por outros
nordestinos como Zé Ramalho,
Alceu Valença, Geraldo Azevedo,
Cátia de França etc.
Porta-voz da tal geração agreste
que chegava, logo se fez porta-voz
também da briga com os tropicalistas, em especial com Caetano
Veloso, num bate-boca que vazou
pela imprensa junto com a produção de Fagner nos anos 70.
A disputa por espaço foi feroz.
O espírito irascível de Fagner lhe
concedeu e retirou prestígio, em
proporções às vezes equivalentes.
Também o canto alto, expressionista, às vezes esganiçado, rendia
adesão e repúdio simultâneos.
Conservou distância bélica dos
tropicalistas, mas com o tempo
foi conquistando parceiros de
consistência como Elis Regina,
Chico Buarque, Nara Leão e a
maioria dos melhores instrumentistas nacionais dos 70. Fagner seguia (des)equilibrando-se entre
extremos dramáticos.
Tentou constituir um curral de
música nordestina na Sony (então
CBS), atuando como diretor, produtor e autor para artistas conterrâneos que só conseguiram gravar discos sob sua guarda. Tinha
um quê de coronel na atuação,
mas outro tanto de generosidade
com talentos cearenses, paraibanos, pernambucanos...
Fez discos de experimentação
radical como "Ave Noturna" (75)
e "Orós" (77, todo bordado em
parceria com o radical Hermeto
Pascoal). O experimentalismo de
"Cebola Cortada" (77) conquistou seguidores, enquanto releituras rascantes de Cartola ("As Rosas Não Falam", em 78) e Paulinho da Viola ("Sinal Fechado",
em 76) provocavam revolta, por
supostamente profanas.
Cantou músicas de forte apelo
comercial, como "Revelação"
(78), "Noturno" (79, tema da novela "Coração Alado") e "Eternas
Ondas" (80). Pareciam meros hits
grudentos de rádio, mas continham alta poesia e estavam incrustadas em discos de qualidade
de arranjos e instrumentação.
Acusações de plágio
Mesmo reverenciando sempre o
Nordeste à moda de Luiz Gonzaga, Fagner levou a conseqüências
drásticas as utopias de unidade latino-americana que haviam seduzido os tropicalistas nos anos 60 e
eram continuados nos 70 por Elis,
Milton Nascimento, Ney Matogrosso, os heróis do rock rural Sá,
Rodrix & Guarabyra etc.
Assim emoldurou o gutural
pan-americanismo de "Traduzir-Se" (81), com participações de Camaron de la Isla e Mercedes Sosa,
num tempo em que já derrapava
em celeumas extracurriculares.
É que desde 79 as herdeiras de
Cecília Meirelles reclamavam na
Justiça o uso indevido de trechos
de textos da poeta por Fagner, em
faixas de "Manera Fru Fru, Manera", "Orós" e "Eu Canto - Quem
Viver Chorará" (78).
Só nos anos 2000 um acordo
permitiria a reedição de "Canteiros" (73), marco inicial do sucesso
musical e das confusões autorais
de Fagner. Por precaução mutiladora, a Sony e o pesquisador Marcelo Fróes extirparam as "parcerias" de Cecília da caixa.
As denúncias por suposto plágio e a invasão de teclados tecnopop nos 80 solaparam Fagner,
que edulcorou sucessos ainda eficientes como "Guerreiro Menino" (83) em discos medianos.
Era menos do que estava por
vir, quando ele aderisse à BMG e à
fábrica musical da dupla pop Michael Sullivan-Paulo Massadas
-a imagem de ídolo brega
boiando em "borbulhas de amor"
colaria a partir daí em intensidade
desmedida, desmerecida.
"Raimundo Fagner", a caixa,
permite agora a reavaliação de
tanta ambigüidade. Ouvi-la é trabalho de força, já que a voz de
Fagner (como as de outros contemporâneos) não veio mesmo
para acalmar nem para afagar. A
MPB já esteve floreada dessas vozes, que, sim, lhe davam alento.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Raimundo Fagner
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 170, em média
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