São Paulo, terça-feira, 06 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FERNANDO BONASSI

O país dos engenheiros

As escavações das estruturas deixarão marcas profundas no faturamento

O PAÍS dos engenheiros apresenta suas armas: são anéis de bacharéis e diplomas universitários emoldurados nas paredes de edifícios assinados. São projetos calculados com o pensamento nos bolsos traseiros e plantas baixas desenhadas por herdeiros em gabinetes que dariam dúzias de quitinetes de solteiro. São licitações casadas por terceiros e aprovadas à toque de caixa para o desenvolvimento imobiliário e do erário dos parceiros.
São guindastes eriçados pela beira dos barrancos, escavadeiras excitadas aferradas às matas e britadeiras cavalgadas por braços vigorosos em obras faraônicas que embasbacam o mundo inteiro!
Rios de sangue e de suor, de bombas e de dinheiro passam pelas estradas, usinas, plataformas, ferrovias e portos construídos por nossos engenheiros. São as pirâmides desses imperadores brasileiros!
Engenheiros sonhadores, guerreiros pirados e ianques desbravadores que se lançam sem pudores, plantando cabeças de ponte nos perigosos e minados desertos estrangeiros.
"Tudo pelo mercado", concordam os fogosos investidores conservadores... E o supermercado é isso mesmo: usinas nucleares e experiências espaciais que se afundam na trama de acertos escusos em acordos internacionais; estradas monumentais abandonadas aos horrores das selvas ou vicinais enfiadas em meio às terras e pernas dos reprodutores dos governadores da situação; aeroportos de alto padrão instalados nas neblinas das serras expropriadas dos coitados e avenidas modernas para as aventuras suicidas da indústria automobilística multinacional, subsidiada por bancos de desenvolvimento social.
Não se esqueçam os maconheiros mais festivos: essa é a engenharia fiscal do financiamento do Carnaval do país dos engenheiros!
Não venham culpá-los pelos esquecimentos e erros demasiado humanos que todos cometemos ou causamos ao enterrarmos o que não gostamos ou queremos.
Nem se o desenvolvimento anda assim meio travado, esquecido ou mal pago. O meio ambiente é sempre o malvado, já que a inocência estética da natureza é a inimiga declarada da clareza e eficiência técnica dos engenheiros.
O país dos engenheiros será sempre esse canteiro maneiro para os sonhos de grandeza e deleite das empresas e investidores empreiteiros.
Claro que certos engenheiros agiotas podem retirar as escoras das encostas do mercado financeiro a qualquer momento, se não verem acertadas e cobertas as suas cotas e apostas no enriquecimento.
Mas, pelo menos, os operários pagos como escravos jamais darão trabalho como proprietários dessas cidades que constroem e são muito bem treinados para ouvirem à distância a derrocada de seus empregos quando a obra termina, desaba ou afunda em falência, para o total desmoronamento de suas ilusões de crescimento.
O país dos engenheiros esconde tesouros enterrados em malas de dinheiro! Assim, um país de engenheiros pode, eventualmente, se tornar um país de banqueiros, já que ambos obram muito bem em seus balanços de fim de ano. Por essas e outras, as escavações das estruturas deixarão marcas profundas no faturamento e nas imediações das grandes realizações, exterminando os pobres distraídos que forem engolidos pelas bocas dos lobos.
"Os lobos voam de helicóptero!", foram as últimas palavras da vovozinha excitada, antes de confiar nas coordenadas descontroladas desses céus de brigadeiro e entregar-se à volúpia do caçador aventureiro!
O terceiro setor da elite suicida ainda poderá curar a ferida social de todo o capital lavado em paraísos fiscais?
As estatísticas oficiais haverão de redimir o país que um "Senhor Engenheiro" construir?
Ou a terra enraivecida continuará mostrando as garras e os dentes, mastigando as esquinas, para a alegria dos dentistas conveniados e desespero dos traficantes de meninas e dos pastores de propinas?
A pressa e a preguiça são os pais litigiosos dessa família de imperfeição contagiosa?
EM TEMPO: as indenizações poderão ser calculadas tendo por base o azar de quem passava por ali e a sorte de quem lá longe se lembrou de fazer seguro. Agora, seguro mesmo que morreu de velho só o dono da companhia. Garantido nada é, nem que a punição chegará aos culpados como chega aos inocentes.


Texto Anterior: Crítica: "Soldado de Deus" cumpre sua missão terrena
Próximo Texto: Crítica/DVD Série: "Oz" recorre à tragédia grega para repensar a América
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.