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CINEMA / ESTREIAS
Crítica
Sem apelo fácil, "O Leitor" revê homem comum no Holocausto
Longa encontra equilíbrio entre emoção e conteúdo em visão inédita do tema no cinemão
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Do gênero recente "filmes do Holocausto"
um abismo separa "O
Leitor" dos apelos fáceis de "O
Menino do Pijama Listrado".
Longe da exploração emocional deste, o candidato ao Oscar
que estreia hoje aborda com
cautela e acuidade o tema do
massacre de milhões de judeus
na Segunda Guerra. Desse modo, propõe uma compreensão
dos fatos que até agora se mantinha inédita no cinemão.
Em vez de, pela enésima vez,
reconstituir o "eliminacionismo" nazista para satisfazer
nossa fome de espetáculo do
mal, "O Leitor" se constrói pelas bordas e atinge um efeito incontáveis vezes mais poderoso.
É a revisão do papel do homem
comum, do Hitler-em-cada-um-de-nós, que se encontrava
restrito às interpretações mais
complexas dos alemães Rainer
Werner Fassbinder e Hans
Jürgen Syberberg e de documentários pouco difundidos
como o monumental "Shoah",
de Claude Lanzmann, e "A Dor
e a Piedade", de Marcel Ophüls.
A primeira astúcia de "O Leitor" é evitar a polarização entre
vítimas e algozes, situando a
história nos anos 50, relativamente distante do epicentro da
tragédia, quando a Alemanha
se reerguia e tentava fechar as
feridas. Um prédio em reformas, no passado, e uma zona
urbana revitalizada, no presente, resolvem simbolicamente
tal processo de reconstrução.
À eficiente reconstrução material o filme contrapõe uma
catástrofe moral, cujo trauma o
drama se concentra em trazer à
tona. A certa altura estamos em
um tribunal, com seu ritual de
justiça e sua suposta distribuição da culpa. É aí que "O Leitor", mesmo que recorra ao melodrama para funcionar emocionalmente, torna-se uma ficção muitíssimo interessante.
A questão posta, explicitamente na fala de um personagem, é: o que significa apontar
um culpado? Para o público do
julgamento, trata-se de se desculpabilizar e permitir que a vida siga. Para o público do filme,
de mostrar que o "culpado" não
passa de alguém comum, sem
sinais de monstruosidade "eliminacionista" na alma e que é
(ou poderia ser) um de nós.
Simpatia
"O Leitor" nos conduz a essa
distinção promovendo a simpatia pela personagem Hanna
Schmitz (Kate Winslet), por
sua função acolhedora desde a
primeira cena, a paixão de iletrada pela literatura, em suma,
uma sucessão de sinais de humanidade. Não se trata de resgatar a inocência sob o argumento da ação involuntária, do
"só cumpria ordens" com que
os carrascos nazistas tentaram
se safar de punições legais.
Ao contrário, Hanna põe em
suspenso nossa distinção entre
decisão voluntária e involuntária, nossa compreensão estereotipada de que sob regimes
autoritários os heróis são as vítimas e os inocentes.
O admirável roteiro de David
Hare, a partir do romance de
Bernhard Schlink (leia ao lado), encontra na direção de
Stephen Daldry um equilíbrio
feito de contenções, em que
emoção reveste conteúdo sem
se impor a ele. Tratados com
respeito, a verossimilhança e o
espectador agradecem.
O LEITOR
Produção: Alemanha/EUA, 2008
Direção: Stephen Daldry
Com: Kate Winslet, Ralph Fiennes
Onde: estreia hoje nos cines Bristol,
Eldorado, HSBC Belas Artes e circuito
Classificação: não indicado a menores de 16 anos
Avaliação: bom
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