São Paulo, sexta-feira, 06 de fevereiro de 2009

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CINEMA / ESTREIAS

Crítica

Sem apelo fácil, "O Leitor" revê homem comum no Holocausto

Longa encontra equilíbrio entre emoção e conteúdo em visão inédita do tema no cinemão

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Do gênero recente "filmes do Holocausto" um abismo separa "O Leitor" dos apelos fáceis de "O Menino do Pijama Listrado". Longe da exploração emocional deste, o candidato ao Oscar que estreia hoje aborda com cautela e acuidade o tema do massacre de milhões de judeus na Segunda Guerra. Desse modo, propõe uma compreensão dos fatos que até agora se mantinha inédita no cinemão. Em vez de, pela enésima vez, reconstituir o "eliminacionismo" nazista para satisfazer nossa fome de espetáculo do mal, "O Leitor" se constrói pelas bordas e atinge um efeito incontáveis vezes mais poderoso.
É a revisão do papel do homem comum, do Hitler-em-cada-um-de-nós, que se encontrava restrito às interpretações mais complexas dos alemães Rainer Werner Fassbinder e Hans Jürgen Syberberg e de documentários pouco difundidos como o monumental "Shoah", de Claude Lanzmann, e "A Dor e a Piedade", de Marcel Ophüls. A primeira astúcia de "O Leitor" é evitar a polarização entre vítimas e algozes, situando a história nos anos 50, relativamente distante do epicentro da tragédia, quando a Alemanha se reerguia e tentava fechar as feridas. Um prédio em reformas, no passado, e uma zona urbana revitalizada, no presente, resolvem simbolicamente tal processo de reconstrução.
À eficiente reconstrução material o filme contrapõe uma catástrofe moral, cujo trauma o drama se concentra em trazer à tona. A certa altura estamos em um tribunal, com seu ritual de justiça e sua suposta distribuição da culpa. É aí que "O Leitor", mesmo que recorra ao melodrama para funcionar emocionalmente, torna-se uma ficção muitíssimo interessante. A questão posta, explicitamente na fala de um personagem, é: o que significa apontar um culpado? Para o público do julgamento, trata-se de se desculpabilizar e permitir que a vida siga. Para o público do filme, de mostrar que o "culpado" não passa de alguém comum, sem sinais de monstruosidade "eliminacionista" na alma e que é (ou poderia ser) um de nós.

Simpatia
"O Leitor" nos conduz a essa distinção promovendo a simpatia pela personagem Hanna Schmitz (Kate Winslet), por sua função acolhedora desde a primeira cena, a paixão de iletrada pela literatura, em suma, uma sucessão de sinais de humanidade. Não se trata de resgatar a inocência sob o argumento da ação involuntária, do "só cumpria ordens" com que os carrascos nazistas tentaram se safar de punições legais. Ao contrário, Hanna põe em suspenso nossa distinção entre decisão voluntária e involuntária, nossa compreensão estereotipada de que sob regimes autoritários os heróis são as vítimas e os inocentes.
O admirável roteiro de David Hare, a partir do romance de Bernhard Schlink (leia ao lado), encontra na direção de Stephen Daldry um equilíbrio feito de contenções, em que emoção reveste conteúdo sem se impor a ele. Tratados com respeito, a verossimilhança e o espectador agradecem.


O LEITOR
Produção: Alemanha/EUA, 2008
Direção: Stephen Daldry
Com: Kate Winslet, Ralph Fiennes
Onde: estreia hoje nos cines Bristol, Eldorado, HSBC Belas Artes e circuito
Classificação: não indicado a menores de 16 anos
Avaliação: bom



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