São Paulo, Sábado, 06 de Fevereiro de 1999
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LIVRO LANÇAMENTOS/EUA
Antologia de Gore Vidal falha nos detalhes


Chegam ao mercado literário americano três títulos de peso: coletânea do melhor de Gore Vidal, que prepara terreno para biografia; nova obra do mestre do crime ficcional Elmore Leonard; e biografia de Cole Porter, por William McBrien


AMIR LABAKI
de Nova York


Gore Vidal contra-ataca. No ano passado, Norman Mailer comemorou 50 anos de serviços literários prestados com o catatau "The Time of Our Time". Vidal não poderia deixar barato. Acaba de desembarcar nas livrarias americanas um tijolaço do tamanho de uma lista telefônica, "The Essential Gore Vidal" (Random House, US$ 39.95), uma seleção em quase mil páginas (990 para ser preciso) do melhor do maior polemista das letras nos EUA do pós-guerra.
O crítico Fred Kaplan assina a organização. É do ramo. Escreveu boas biografias do escritor vitoriano Thomas Carlyle e de Charles Dickens. Tem um estudo elogiado sobre Henry James. Vidal está, assim, em ótima companhia.
Kaplan prepara ainda a biografia de Vidal. Adianta parte de seu trabalho na informativa introdução e na útil cronologia desse volume.
Não revela muita coisa nova, talvez preservando o próximo livro, mas sintetiza o mais de meio século de vida como escritor do qual, com razão, se gaba Vidal.
O foco aqui é outro. Kaplan trata agora da obra para se concentrar adiante na vida. Destaca Vidal como "romancista de idéias", historiador da ascensão e queda do império americano, satirista maior do fim da República das Letras.
"The Essential Gore Vidal" divide-se em seis partes, que funcionam como didáticas balizas introdutórias. "Ficção Inicial" apresenta o jovem Vidal, discípulo de Mark Twain (a quem bate continência) e Ernest Hemingway (nem tanto). "Escritos Teatrais" resume sua faceta de dramaturgo e roteirista, curiosamente melhor sucedido nos palcos ("The Best Man") e na telinha ("Visit to a Small Planet", depois adaptada para a Broadway) do que na telona ("O Caso Dreyfuss", "Ben Hur").
"Invenção" traz o Vidal mais criativo e corrosivo, o herdeiro de Jonathan Swift em romances delirantes. A marcante presença da "Religião" ocupa a quarta parte. A quinta, "Crônica da História Americana", reúne trechos dos extensos e populares romances que Vidal prefere classificar como "meditações sobre história e política".
O volume é encerrado por 26 dos melhores ensaios daquele que Kaplan não hesita em classificar como o mestre americano do gênero neste século, com a concorrência apenas de Edmund Wilson.
Kaplan apresenta didaticamente cada parte e mesmo um por um dos trechos. É um bom editor, selecionando criteriosamente as passagens, dando uma idéia do todo sem tirar o gosto do leitor que resolva fazer a coisa certa e encarar diretamente o texto integral.
Tudo certo, então? Mais ou menos. Kaplan acerta no geral, mas falha no particular. Suas escolhas para ilustrar cada faceta de Vidal parecem conservadoras demais.
Em "Ficção Inicial", encontramos, sim, bons trechos de "A Cidade e o Pilar" (1948), um dos pioneiros romances americanos sobre homossexualismo, e de "O Julgamento de Paris" (1952), o algo autobiográfico retrato de um recém-formado flanando pela Europa do pós-guerra, reconhecido pelo próprio Vidal como a grande virada estilística de toda sua obra (adeus Hemingway, viva Henry James), além de um isolado exemplo do raríssimo Vidal contista ("A Dama na Biblioteca").
Faltam, contudo, trechos do romance de estréia, "Williwaw" (1945), eco da experiência militar próxima ao Alasca, e da mais ousada obra do período, "The Season of Comfort" (1949), um romance de formação algo joyceano que, a um só tempo, mal disfarça toques memorialísticos e adianta temas essenciais do romancista maduro.
O mesmo tipo de crítica cabe em três da cinco outras seções. Kaplan está certo ao sustentar que "The Best Man" (no cinema, "Vassalos da Ambição") representa o auge do Vidal dramaturgo, justificando assim reproduzir o texto na íntegra. Mas por que não seguir a lógica das demais partes e selecionar extratos de peças e roteiros da importância de "Visit to a Small Planet" (1955) ou curiosos como "O Indestrutível Sr. Gore" (1959)?
Uma estranha inversão acontece em "Invenções", que traz a íntegra de "Myra Breckinridge" (1968) e trechos de "Duluth" (1980). Se o próprio Vidal considera "Duluth" superior, em sua surreal crônica do mundo tornado telenovela, por que não reproduzi-la na totalidade e só apresentar trechos de "Myra"?
Por fim, todos os ensaios da última parte podem ser encontrados na indispensável coletânea "United States - 1952-1992" (Random House, 1995). Mais importante que argumentar sobre a falta de um ou outro texto ("Sexo É Política", por exemplo) parece ser frisar a ausência de textos inéditos ou posteriores àquele volume. O próprio Kaplan frisa na cronologia a existência de dois textos não-ficcionais escritos em 1961 e jamais publicados, sobre temas fundamentais para Vidal como política ("Em Campanha") e homossexualismo ("Pederastia, Platão e o Sr. Barrett").
Tesouros como esses ou como a prometida -mas não cumprida- seleção de cartas teriam tornado "The Essential Gore Vidal" o volume obrigatório em todas as estantes. Como está, a antologia funciona como uma boa introdução à obra do escritor. Mas definitiva, como a de Mailer, não é.

Livro: The Essential Gore Vidal
Autor: Fred Kaplan (org.)
Lançamento: Random House
Quanto: US$ 39,95 (990 págs.)



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