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"Hoje, o Carnaval é para turista"
free-lance para a Folha
Alberto Alves da Silva, 78, o Seu
Nenê, é definido, na introdução
do livro, com as suas memórias:
"Negro, neto de escravos, operário metalúrgico por 27 anos, apenas em uma fábrica, "corintiano
roxo", com um sorriso largo carregando a força de sua raça, e os
olhos sempre voltados para o futuro".
Após conversar com o Seu Nenê, fica difícil encontrar definição
melhor para esse mineiro, da cidade de Santos Dumont, que concedeu entrevista por telefone à
Folha, no último dia 25, do hospital no qual se recuperava de uma
operação de hérnia.
A cada resposta, eram adicionadas referências a sambas antigos,
cantarolados pelo entrevistado,
memórias de figuras do Carnaval
e um bom humor surpreendente.
Leia a seguir os principais trechos
da entrevista.
(RD)
O LIVRO - "Faleceu o Inocêncio
(Thobias, fundador da Camisa
Verde e Branco, morto em 1980),
a dona Eunice (fundadora da Lavapés) já estava meio baqueada, e
eu ficava pensando, ninguém vai
contar nada. Não ia sobrar ninguém que soubesse falar como foi
o Carnaval de São Paulo. E a gente quer contar a história para
mostrar que a cidade também
tem know-how de Carnaval."
VELHA-GUARDA - "O paulista
é sem educação. No Rio eles respeitam os velhos, eles têm outra
doutrina. Há pouco tempo, um
desses presidentes novatos, que
não faz parte da senzala, disse que
velho é arreio de cemitério. Mas
eu não ouvi ele dizer, então não
vou falar quem é."
MANIPULAÇÃO - "Aqui em
São Paulo tem umas escolas que
acham que têm de ganhar sempre, pode ver, são sempre as mesmas levando todo ano. Pagam
qualquer coisa para os jurados,
falta recurso, eles ganham pouco.
E aí, qualquer dinheiro que oferecem, você já viu, né? Eles pegam
naquilo mais fácil, o dinheiro é
fogo. No Rio, o jurado ganha um
dinheiro mais de acordo, então
ele sabe que não pode brincar."
CARNAVAL PARA TURISTA -
"Na minha época, até o começo
da década de 60, para participar
do Carnaval, era só colocar uma
camisa listrada, comprar um lança-perfume e ir brincar na rua, na
porta de casa. Hoje, o Carnaval é
para turista. Até quem é da cidade, que vai lá no sambódromo assistir ao desfile, não deve se enganar, está dando uma de turista."
BATERIA NOTA 10 - "Nós tínhamos o culugundum (mistura
de "percussão de escola de samba"
com maracatu que a Nenê da Vila
Matilde usou de 1950 a 1970), era
uma batida que nunca tinham
visto, que a gente inventou lá na
Penha, na Vila Matilde, a gente fazia brincando, com o mestre Lagrila. Era um sucesso, e, quando a
gente vinha lá de longe, o pessoal
já sabia, lá vem a Nenê. Hoje, está
todo mundo sem imaginação, fica um querendo imitar o outro. E
lá no Rio me falaram, se não fosse
a da Padre Miguel, a da Nenê era a
melhor bateria de escola de samba do Brasil. Tem gente que discorda, mas quero ver provar."
TÚMULO DO SAMBA - "A Nenê mostrou, em 1976, na avenida
São João, mostrou para Vinicius
de Moraes que não tinha essa história do túmulo do samba. Porque, nessa época, o pessoal via o
Carnaval em São Paulo como
uma piada (no livro, Seu Nenê diz
que Vinicius, autor da frase "São
Paulo é o túmulo do samba", após
ver o desfile da Nenê, teria dito:
"Uma escolinha mixuruca e uma
bateria fora de série. Retiro o que
disse sobre o túmulo')."
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