São Paulo, segunda-feira, 06 de março de 2000


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"Hoje, o Carnaval é para turista"

free-lance para a Folha

Alberto Alves da Silva, 78, o Seu Nenê, é definido, na introdução do livro, com as suas memórias: "Negro, neto de escravos, operário metalúrgico por 27 anos, apenas em uma fábrica, "corintiano roxo", com um sorriso largo carregando a força de sua raça, e os olhos sempre voltados para o futuro".
Após conversar com o Seu Nenê, fica difícil encontrar definição melhor para esse mineiro, da cidade de Santos Dumont, que concedeu entrevista por telefone à Folha, no último dia 25, do hospital no qual se recuperava de uma operação de hérnia.
A cada resposta, eram adicionadas referências a sambas antigos, cantarolados pelo entrevistado, memórias de figuras do Carnaval e um bom humor surpreendente. Leia a seguir os principais trechos da entrevista. (RD)

O LIVRO -
"Faleceu o Inocêncio (Thobias, fundador da Camisa Verde e Branco, morto em 1980), a dona Eunice (fundadora da Lavapés) já estava meio baqueada, e eu ficava pensando, ninguém vai contar nada. Não ia sobrar ninguém que soubesse falar como foi o Carnaval de São Paulo. E a gente quer contar a história para mostrar que a cidade também tem know-how de Carnaval."

VELHA-GUARDA -
"O paulista é sem educação. No Rio eles respeitam os velhos, eles têm outra doutrina. Há pouco tempo, um desses presidentes novatos, que não faz parte da senzala, disse que velho é arreio de cemitério. Mas eu não ouvi ele dizer, então não vou falar quem é."

MANIPULAÇÃO -
"Aqui em São Paulo tem umas escolas que acham que têm de ganhar sempre, pode ver, são sempre as mesmas levando todo ano. Pagam qualquer coisa para os jurados, falta recurso, eles ganham pouco. E aí, qualquer dinheiro que oferecem, você já viu, né? Eles pegam naquilo mais fácil, o dinheiro é fogo. No Rio, o jurado ganha um dinheiro mais de acordo, então ele sabe que não pode brincar."

CARNAVAL PARA TURISTA -
"Na minha época, até o começo da década de 60, para participar do Carnaval, era só colocar uma camisa listrada, comprar um lança-perfume e ir brincar na rua, na porta de casa. Hoje, o Carnaval é para turista. Até quem é da cidade, que vai lá no sambódromo assistir ao desfile, não deve se enganar, está dando uma de turista."

BATERIA NOTA 10 -
"Nós tínhamos o culugundum (mistura de "percussão de escola de samba" com maracatu que a Nenê da Vila Matilde usou de 1950 a 1970), era uma batida que nunca tinham visto, que a gente inventou lá na Penha, na Vila Matilde, a gente fazia brincando, com o mestre Lagrila. Era um sucesso, e, quando a gente vinha lá de longe, o pessoal já sabia, lá vem a Nenê. Hoje, está todo mundo sem imaginação, fica um querendo imitar o outro. E lá no Rio me falaram, se não fosse a da Padre Miguel, a da Nenê era a melhor bateria de escola de samba do Brasil. Tem gente que discorda, mas quero ver provar."

TÚMULO DO SAMBA -
"A Nenê mostrou, em 1976, na avenida São João, mostrou para Vinicius de Moraes que não tinha essa história do túmulo do samba. Porque, nessa época, o pessoal via o Carnaval em São Paulo como uma piada (no livro, Seu Nenê diz que Vinicius, autor da frase "São Paulo é o túmulo do samba", após ver o desfile da Nenê, teria dito: "Uma escolinha mixuruca e uma bateria fora de série. Retiro o que disse sobre o túmulo')."





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