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FERNANDO BONASSI
A caixa-preta
Todos afirmam falar a mesma língua, mas é como se "hablassem" "desesperanto"
C
OMEÇA QUE não tem luz. Mal
se enxergam na escuridão e,
quando enxergam, enxergam
o mal que se avizinha.
Passaram a desconfiarem-se nas
decisões conjuntas...
Olha que não são poucos... São o
quê? Noventa, 120 ou 200 milhões
em ação... Mas como não têm qualquer referência de sua quantidade
ou eficiência, sentem que não saem
do lugar em que estão, ou acreditam
que o melhor lugar em questão é isso
daí, ou daqui mesmo...
Pode até ser, mas como não pagam para ver, vagam a esmo ensimesmados e enciumados, uns mais
ricos do que os outros em desentendimentos.
Todos afirmam falar a mesma língua, por exemplo, mas quando
abrem as bocas se confundem de um
tanto que é como se "hablassem"
uma espécie de "desesperanto", esse
canto de cisne negro e gripado, esse
blues do espanto calado onde vivem.
É um silêncio aterrador que se ouve enquanto permanecem atônitos
e entocados!
Não há equipamento anticolisão
que os avise, e, se houvesse, não perceberiam nem decifrariam os seus
códigos, já que nada de regras, teorias ou idéias combina com a situação de miséria em que ficam empacados.
Também preferem debaterem-se
em chacinas anunciadas e achaques
judiciários para acharem-se mais seguros contra os franco-atiradores.
Francamente seguros estão apenas os donos das empresas de blindagens, principalmente que o seu
negócio vai subir a um ponto tão indecente que pode ser que eles tenham que blindar as próprias roupas de baixo para sobreviverem aos
ataques dos funcionários excluídos.
Esse é o raciocínio simplificado do
complicado racionamento que serve
ao planejamento do colonialismo,
canibalismo ou coronelismo do capitalismo brasileiro.
A vantagem dos nossos herdeiros
honrados e inseguros, é claro, é que
sobrevoam as mazelas das favelas
em helicópteros fretados, de modo a
pensarem mais longe, além da linha
do horizonte congestionado pela
sua degradação ali embaixo.
O fato é que os de cima e os de baixo pisam uns aos outros como a si
mesmos!
Seu sentido de orientação é uma
desolação, e sua visão, que não é
grande coisa nas circunstâncias taciturnas, é como uma piada sem graça
que os cegos fazem com quem tem a
desgraça de um olho crítico, ou ético, encerrando-os em suas terras e
serras de soja transportada e patrocinada "na moral".
Aquilo ali, ou aqui, que é quase nada para muitos, é tão claramente
obscuro para uns poucos que nem
sabemos se chega a ser um lugar definido para todos. Parece melhor
que seja indefinido e indecifrável
para a minoria e incompreendido e
inquestionável para a maioria, num
enigma de tolos reacionários.
Não se iludem para avançar nem
se tocam para se estudar, com medo
do que podem se pensar com inteligência.
Todos partilham esta paciência
frenética, ou pressentimento patético de que uma tragédia pode acontecer a qualquer momento. E, quando
finalmente acontece, os tais a esquecem em seguida e por seguidas vezes, como se estivessem fadados a
serem os danados de um inferno de
Sísifos.
Esse inferno perdulário está cheio
de intenções, mas os melhores só tiram os dinheiros das aplicações para
promover o desenvolvimento de todos os outros que visitam e sustentam com passagens, hospedagens e
milhagens a milhares de quilômetros de distância.
Gozam do benefício e do beneplácito de ficarem camuflados onde tiverem que ir, invisíveis para o que
não quiserem agir.
É assim que se tratam os espertos
patriotas, já que escolhem esconder
as caras em fuga nos blindados importados, do que recapturarem os
impostos desviados nos seus estáveis depósitos bancários estrangeiros, num colonizado nacionalismo
de terceiros...
É bom dizer, em nome da injustiça, que se dinheiro não tem pátria,
os banqueiros não têm culpa. São
como os psicopatas, portanto; mas,
ao contrário deles, têm psicologia e
publicitários.
A psicologia e a propaganda estão
aí para justificar ou embalar a sanha
dos ponderados que exigirem linchamentos.
Aliás, na hora em que abrirem essa
coisa, eu não quero ser o primeiro
técnico especializado ou assessor faxineiro contratado para limpar e
sentir o cheiro a sair disso... Dessa...
Isto é, da "caixa"...
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