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LIVROS
Crítica/ "Uma Mulher Inacabada"
Memórias de Lillian Hellman relembram geração utópica
Dashiell Hammett, companheiro da escritora, tem presença marcante no livro
MARCELO PEN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Duas coisas saltam à vista durante a leitura
deste primeiro volume
de memórias mais ou menos
reais da dramaturga americana
Lillian Hellman (a José Olympio também está relançando os
outros dois, "Pentimento" e
"Caça às Bruxas"): a importância do papel ocupado por seu
companheiro de mais de 30
anos, o escritor Dashiell Hammett, e a impressão de que os
homens e mulheres daquela
época, ou os artistas, eram gente de outro talante.
Nascida em Nova Orleans em
1905, Lillian conheceu Hammett em um restaurante de
Hollywood, quando ela tinha
24 e ele, 36 anos.
O autor de "O Falcão Maltês"
já era um nome respeitado. Ao
contrário dos escritores da moda em Nova York e Hollywood,
surgidos, segundo Lillian, "a cada temporada de inverno", ele
manteve a aura.
Não que ela fale de Hammett
o tempo todo. Mas a sombra do
companheiro paira sobre a narrativa mesmo quando Lillian
está contando outros casos. Como nas duas vezes em que viajou à Europa para apoiar causas
"nobres": durante a Guerra Civil Espanhola e a visita à União
Soviética, perto do fim da Segunda Guerra.
A defesa da república na Espanha atraiu muitos intelectuais, como Hemingway e John
dos Passos. A descrição da curta estada da autora em uma pequena aldeia, quando é apresentada como parente de Charles Chaplin, e das horas que
passa ao lado de um jovem jornalista francês (praticamente
as últimas dele) estão entre as
melhores do livro.
Igualmente excelente, por
sua precisão aterrorizante, é a
passagem em que ela vê um
comprido verme arrastar-se
pela parede gelada do campo de
extermínio recém-libertado de
Maidanek, na Polônia.
Esse episódio ocorreu no inverno de 1945. Lillian havia
partido para Moscou, via Sibéria, numa viagem de duas semanas em um avião sem aquecimento. O rigor das condições
quase lhe custou a vida. Depois
seguiu para o front polonês. O
fogo nazista estava a 200 metros e algumas bombas chegaram a atingir o abrigo em que
ela se encontrava.
Os escritores da geração de
Lillian, ou da imediatamente
anterior, como Hammett,
Faulkner e Hemingway, foram
os primeiros a lidar com a opulência trazida por Hollywood
(que afetou a indústria livreira
e a cena teatral). A relação foi
deletéria para a maioria e isso
está expresso quer na forma,
quer no conteúdo de muitas de
suas obras.
Mas eles tinham algo a mais.
Havia a utopia, os ideais que fizeram com que uma filha de
um caixeiro viajante do sul dos
Estados Unidos se aventurasse
em guerras estrangeiras e depois desafiasse as hostes macarthistas nos anos 1950. Esses
sonhos, com que se forjaram as
certezas daquela geração, foram se perdendo ao longo do
século passado.
MARCELO PEN é professor de teoria literária na
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
UMA MULHER INACABADA
Autora: Lillian Hellman
Tradução: Carlos Sussekind
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 49 (384 págs.)
Avaliação: bom
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