São Paulo, Sábado, 06 de Março de 1999
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A mulher da televisão brasileira é irreal, diz TVer


79% das entrevistadas em pesquisa conduzida pela ONG em fevereiro afirmam que imagem retratada pelas emissoras não é "verdadeira"


NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Na última reunião do TVer, a entidade criada em junho de 97 para a discussão da qualidade da TV brasileira, foi apresentada a primeira pesquisa do grupo, sobre "mulheres e televisão".
O resultado mais surpreendente foi que, para 79% das 253 mulheres entrevistadas no Estado de São Paulo, a programação atual não transmite a imagem da mulher "real e verdadeira".
No relato bem-humorado de Paulo Roberto Ceccarelli, psicanalista integrante do TVer e doutor pela Universidade de Paris 7, ouviram-se na reunião reações do tipo "nossa, como as mulheres estão, hein?!". O "espanto" foi devido à "impressão de que é absolutamente inusitado que as mulheres possam pensar dessa forma".
Não apenas quanto à imagem geral das mulheres, refletida na TV, mas quanto aos programas. Para 59%, a programação não tem a ver com ela própria, entrevistada.
Mas nem todos os resultados foram da mesma ordem. Em outro ponto do levantamento, 51% das entrevistadas de classe C disseram que a programação da TV no país "deixa a mulher mais culta", no sentido de ajudar na formação.
Para Ana Cristina Olmos, diretora do Centro de Estudos para o Desenvolvimento da Criança (Cemdec) e também integrante do TVer, esse e outros resultados semelhantes e contraditórios da pesquisa confrontam a sua própria experiência de trabalho. "Eles estão mais ligados à ausência de capacidade crítica", diz.
O levantamento foi encomendado pelo TVer à CPM Market Research, empresa de pesquisas de uma outra integrante da entidade, Oriana Monarca White, como parte da discussão sobre a mulher -o primeiro tema do grupo, este ano, no esforço de "ajudar a formar telespectadores críticos".
O TVer, em parte devido às comemorações do Dia da Mulher na próxima segunda-feira, definiu que os primeiros meses deste ano serão dedicados à mulher.
Além da pesquisa TVer/CPM, outras ações do grupo nesse âmbito incluem questionar publicamente passagens pontuais da programação das emissoras. Foi o caso de uma carta enviada pela ex-deputada federal Marta Suplicy, coordenadora do TVer, ao presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho.
A carta, divulgada publicamente no início de fevereiro, criticava uma reportagem do programa "Fantástico" em que as jovens tinham que escolher, num esquema copiado do "Você Decide", entre a mãe biológica e a adotiva.

Magra, alta e loira
Para Ana Cristina Olmos, o ponto central do levantamento foi mesmo identificar que a mulher não vê a sua imagem refletida na programação oferecida atualmente pela TV brasileira.
"Essa imagem não é inadequada apenas para a própria mulher, mas para a menina, para o homem, para o filho", diz a diretora do Cemdec. "Essa mulher que é apresentada na TV não existe, seja no perfil físico, seja no psíquico."
Segundo ela, a mulher que é mostrada na programação atual como mais desejada, por exemplo, tem pouco a ver com o biotipo da brasileira. "É uma mulher extremamente magra e alta, o que é muito difícil de ser atingido pela adolescente brasileira. Ela não é uma jovem nórdica, loira, de olhos claros. O ataque à auto-estima da menina começa aí."
Embora a pesquisa não abranja as classes D e E, Ana Olmos acredita que a dificuldade de identificação de imagem se repete, da mesma maneira ou até mais, entre as mulheres mais pobres.
"No Brasil, a menina pobre, além de não ter o perfil físico, não tem o dinheiro para comprar, por exemplo, os produtos que aparecem em "Malhação", os produtos das meninas bem-sucedidas das novelas", diz. "Na verdade, não tem como comprar nem mesmo os produtos das meninas malsucedidas."

Avental
Para Paulo Roberto Ceccarelli, as mulheres não se sentem refletidas na TV porque é "de fácil constatação que a grande maioria dos programas tem como alvo o público masculino". Uma opção de mercado, segundo ele.
"É o homem que detém, majoritariamente, o poder aquisitivo", diz Ceccarelli. "Logo, é ele que tem mais chances de ceder às ofertas de consumo. Grande número de publicidades dirigidas ao público feminino, curiosamente, sugere que, para terem o que desejam, as mulheres devem convencer -seduzir- o companheiro."
Marta Suplicy comenta, nesse sentido, um levantamento feito pelo instituto de pesquisas Ibope e apresentado no jornal "Gazeta Mercantil", também esta semana, indicando que a audiência feminina caiu 10% no Rio e 8% em São Paulo, entre 91 e 98.
"A pesquisa do Ibope bate toda com a nossa", diz ela. "É exatamente isso. Mostra como os publicitários estão completamente perdidos com as mulheres, hoje. A mulher que está sendo projetada na televisão não corresponde mais à mulher verdadeira, como ela se vê. Ela não quer mais ser mostrada como uma pessoa que está lá na cozinha, de avental".


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