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PARA ESTRANGEIRO VER
"Mares do Sul", de Santarrita, é Brasil "for export"
MARCELO PEN
especial para a Folha
A história do
Brasil não é tema só de vestibular. O romance nacional está
investindo fundo na área. "O
Chalaça", de José Roberto Torero, "A Guerra das
Imaginações", de Doc Comparato,
e "O Xangô de Baker Street", de Jô
Soares", são alguns exemplos. Trata-se de obras que aliam alguma
pesquisa, uma grande dose de invenção e humor. O resultado é um
país colorido, ligeiro, "for export".
"Mares do Sul", de Marcos Santarrita, recém-lançado pela Record, talvez seja o melhor da safra.
Tem mais estofo que "O Chalaça",
é mais bem escrito que "O Xangô"
e menos esquemático que "A
Guerra".
Os protagonistas são Isabel, ex-bailarina de reputação duvidosa, e
Mr. Sidi Ben Gali, agente inglês,
muçulmano, de origem africana. A
trama os reúne em Ilhéus, durante
a Regência de d. Pedro. O momento é crítico. A vila está em petição
de miséria, quer separar-se do governo central do Rio de Janeiro,
sofre a ameaça de ataque dos índios e de escravos insurgentes.
Isabel é a filha pródiga. Fugira de
sua cidade natal com um marinheiro inglês. Abandonada na corte, vira cortesã e amante do príncipe regente. Volta à Bahia rica, marquesa, reencontrando a família, os
fidalgos Colares, sem vintém. Traz
consigo um antigo medalhão. Essa
relíquia familiar a liga misteriosamente a Mr. Ben Gali e a eventos
ocorridos durante as Cruzadas.
Na verdade, tomando-se a epígrafe do romance de Charles Dickens, em "The Old Curiosity
Shop", que teria inspirado a história da jóia e de Isabel, tem-se a impressão de que a glosa fugiu muito
ao mote. Ainda bem.
Qualquer resumo mutila o romance, que une caracteres reais e
fictícios, brasileiros, portugueses,
ingleses, franceses, além de diversas etnias africanas, num vastíssimo painel social.
Lançado inicialmente em formato de folhetim, na Internet, tem as
reviravoltas e os ganchos e surpresas típicos do gênero, e ainda é
muito engraçado.
Essa contingência pode, porém,
ser a origem de algumas imperfeições, facilmente atenuadas por
uma edição mais cuidadosa.
Somos levados a entender, no
início, que Ben Gali teria libertado
um dos escravos de Isabel, mas este reaparece, bem depois, ainda na
posse da marquesa.
O galgo do inglês transforma-se
em "mastiff", e ainda desaparece
numa cena em que parecia ter algum peso dramático.
O fiel escudeiro do irmão de Isabel é Bonfim, na página 213, e Bastião, na 363.
Outro problema é a linguagem.
Santarrita fez uma interessante
pesquisa linguística do português
do século 19, o que daria uma graça
arcaica ao texto. Mas às vezes exagera, e as palavras pesam como
adornos artificiosos de alguma novela de época.
Há um enigma que poderia ser
respondido pela Record: por quê,
apesar de o romance quase todo
passar-se em Ilhéus, temos na capa
uma vista de Salvador, com o forte
de São Marcelo e tudo?
Esses contratempos não chegam
a atrapalhar o prazer da leitura,
ainda que seja difícil de acreditar
que Santarrita, em seu sexto romance, tenha caído em armadilhas
tão contornáveis.
No final, o mistério envolvendo
Isabel e um possível assassinato
não se resolve completamente.
Quem sabe isso seja uma indicação
de uma sequência. A aguardar, pela Internet ou nas livrarias.
Livro: Mares do Sul
Autor: Marcos Santarrita
Lançamento: Record
Quanto: R$ 30 (546 págs.)
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