São Paulo, Sábado, 06 de Março de 1999
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PARA ESTRANGEIRO VER
"Mares do Sul", de Santarrita, é Brasil "for export"

MARCELO PEN
especial para a Folha

A história do Brasil não é tema só de vestibular. O romance nacional está investindo fundo na área. "O Chalaça", de José Roberto Torero, "A Guerra das Imaginações", de Doc Comparato, e "O Xangô de Baker Street", de Jô Soares", são alguns exemplos. Trata-se de obras que aliam alguma pesquisa, uma grande dose de invenção e humor. O resultado é um país colorido, ligeiro, "for export".
"Mares do Sul", de Marcos Santarrita, recém-lançado pela Record, talvez seja o melhor da safra. Tem mais estofo que "O Chalaça", é mais bem escrito que "O Xangô" e menos esquemático que "A Guerra".
Os protagonistas são Isabel, ex-bailarina de reputação duvidosa, e Mr. Sidi Ben Gali, agente inglês, muçulmano, de origem africana. A trama os reúne em Ilhéus, durante a Regência de d. Pedro. O momento é crítico. A vila está em petição de miséria, quer separar-se do governo central do Rio de Janeiro, sofre a ameaça de ataque dos índios e de escravos insurgentes.
Isabel é a filha pródiga. Fugira de sua cidade natal com um marinheiro inglês. Abandonada na corte, vira cortesã e amante do príncipe regente. Volta à Bahia rica, marquesa, reencontrando a família, os fidalgos Colares, sem vintém. Traz consigo um antigo medalhão. Essa relíquia familiar a liga misteriosamente a Mr. Ben Gali e a eventos ocorridos durante as Cruzadas.
Na verdade, tomando-se a epígrafe do romance de Charles Dickens, em "The Old Curiosity Shop", que teria inspirado a história da jóia e de Isabel, tem-se a impressão de que a glosa fugiu muito ao mote. Ainda bem.
Qualquer resumo mutila o romance, que une caracteres reais e fictícios, brasileiros, portugueses, ingleses, franceses, além de diversas etnias africanas, num vastíssimo painel social.
Lançado inicialmente em formato de folhetim, na Internet, tem as reviravoltas e os ganchos e surpresas típicos do gênero, e ainda é muito engraçado.
Essa contingência pode, porém, ser a origem de algumas imperfeições, facilmente atenuadas por uma edição mais cuidadosa.
Somos levados a entender, no início, que Ben Gali teria libertado um dos escravos de Isabel, mas este reaparece, bem depois, ainda na posse da marquesa.
O galgo do inglês transforma-se em "mastiff", e ainda desaparece numa cena em que parecia ter algum peso dramático.
O fiel escudeiro do irmão de Isabel é Bonfim, na página 213, e Bastião, na 363.
Outro problema é a linguagem. Santarrita fez uma interessante pesquisa linguística do português do século 19, o que daria uma graça arcaica ao texto. Mas às vezes exagera, e as palavras pesam como adornos artificiosos de alguma novela de época.
Há um enigma que poderia ser respondido pela Record: por quê, apesar de o romance quase todo passar-se em Ilhéus, temos na capa uma vista de Salvador, com o forte de São Marcelo e tudo?
Esses contratempos não chegam a atrapalhar o prazer da leitura, ainda que seja difícil de acreditar que Santarrita, em seu sexto romance, tenha caído em armadilhas tão contornáveis.
No final, o mistério envolvendo Isabel e um possível assassinato não se resolve completamente. Quem sabe isso seja uma indicação de uma sequência. A aguardar, pela Internet ou nas livrarias.

Livro: Mares do Sul
Autor: Marcos Santarrita
Lançamento: Record
Quanto: R$ 30 (546 págs.)



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