São Paulo, sexta-feira, 06 de abril de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Estilo ficou no gueto por pregar integração racial

DA REPORTAGEM LOCAL

O disco de 1979 do samba-roqueiro Luís Vagner começava com uma faixa chamada "Fusão das Raças (Pro Planeta Melhorar)", e talvez lá esteja escondida a senha explicativa para a longa permanência do gênero no gueto e na marginalidade.



Os puristas do samba caíram matando no samba-rock, fosse o do respeitado Jorge Ben ou o do discriminado Bebeto, ambos de inventividade única, nem sempre reconhecida. Do lado das elites de banquinho e violão, tampouco nomes populares e descomplicados como Luís Vagner e Marku Ribas encontraram ressonância.
No "movimento jovem", Erasmo Carlos sofria no couro o preconceito MPB contra o iê-iê-iê e pedia, já em 67, que a juventude da guitarra abrisse os ouvidos ao samba, à "nossa música". O manifesto "O Bidu", de Jorge Ben sob influência de Erasmo, apaixonou Caetano e Gil, até aí pré-tropicalistas. E até o parceiro Roberto Carlos, Erasmo conseguiu arrastar (mesmo que por pouco tempo) para a síntese branco-negra.
Tratava-se de um hibridismo a que ninguém estava acostumado, talvez o mesmo que hoje Carlinhos Brown defende com mais verborragia e menos substância. A aceitação continua nula.
Bebeto era paulista que parecia carioca; Luís Vagner vinha dos Pampas, pólo estranho onde até hoje só se pensa surgir rock europeizado; Marku fazia black music na terra de Milton Nascimento. Todos vieram se encontrar em São Paulo, terra dos sem-pátria, dos sem-gênero musical. Nenhum deles era muito preto, nenhum deles era muito branco.
Marginalizados talvez mais por pregar a "misturação" que por serem bregas, americanizados ou qualquer desses adjetivos idiotas, foram se aliar ao lado mais fraco da cadeia social, esse mesmo dos negros de periferia que se dão as mãos e se põem a rodopiar majestosamente nos bailões.
De musicalidade borbulhante, Bebeto cantou "Nega Olívia", "Neguinho Poeta", a lindíssima "Minha Preta"; Luís Vagner fez "Só Que a Minha Pele É Negra", "Neguinha Boa (A Boa e o Trouxa)"; Marku africanizou "N'Biri N'Biri" e "Canaviá". Carlos Dafé e Don Beto encarnaram o romantismo mais baba. Marcia Maria e Lady Zu deram breve rosto feminino a um movimento que pecou, ele também, por ser tão masculino (Luís Vagner chegou a criticar as moças, em "Entendida").
Quem comprou foi quem, mais sofrendo de preconceito, menos advogou preconceito contra aqueles moços sem cor definida. Esses se puseram a balançar com eles, como balançariam com Monsueto Menezes, Stevie Wonder ou o preto-branco Michael Jackson. Balançarão sempre.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: O homem que a história traiu
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.