São Paulo, sexta-feira, 06 de abril de 2001

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TEATRO

Montagem do texto do inglês Michael Frayn traz embate de idéias entre os cientistas Niels Bohr e Werner Heisenberg

"Copenhagen" exibe "semideuses humanos"

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Cada indivíduo é responsável pelo seu destino e, consequentemente, pelo destino daqueles que o cercam. "Portanto, um indivíduo pode mudar a história, sim", afirma o diretor Marco Antônio Rodrigues, 45.
Ele recorre à premissa para ilustrar o papel dos semideuses demasiado humanos retratados em "Copenhagen", a peça do inglês Michael Frayn que reconstrói a trajetória de dois importantes nomes da ciência, em particular da física, no século 20: o dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) e o alemão Werner Heisenberg (1901-1972), nomes-chave na elaboração da teoria quântica.
"Como Deus se retirou para a eternidade, cabe ao homem cuidar do seu destino. Ou livra a sua cara ou se reconhece, de alguma forma, prisioneiro, no bom sentido, de uma teia social, quântica e universal", diz Rodrigues, que fez a estréia nacional da montagem no 10º Festival de Teatro de Curitiba. "Quer dizer, o homem é feito da mesma matéria das estrelas."
Ao rés do chão, "Copenhagen" recupera uma misteriosa visita de Heisenberg (Carlos Palma) a Bohr (Oswaldo Mendes), ocorrida em 1941, na cidade dinamarquesa de mesmo nome, no auge da Segunda Guerra Mundial. Nunca se soube o que conversaram. Teriam esboçado um reator atômico. Passearam pelo jardim da casa, por dez minutos.
Depois daquele encontro, cerca de quatro anos antes da explosão atômica em Hiroshima, os físicos romperam a amizade que vinha desde os anos 20, quando Heisenberg foi assistente de Bohr.
A peça de Frayn, então um dramaturgo voltado para comédias, expõe a densidade desses personagens e a perspectiva que une ficção e dados históricos.
Eles passam literalmente o ofício a limpo e questionam o procedimento ético (o alemão era acusado de colaborar com o regime de Hitler, enquanto o dinamarquês, judeu, foi perseguido pelos nazistas).
Entre eles, surge uma terceira via, Margrethe (Selma Luchesi), mulher de Bohr, cuja sensibilidade serve de contraponto aos cérebros dominados pela razão.
Frayn reforça a potencialidade humana desses dois físicos por meio de excertos filosóficos ou shakespearianos, sobretudo o castelo de Elsinore, do qual exalava algo de podre e no qual o príncipe Hamlet, dilacerado pelas dúvidas e pela fúria de vingança do assassinato do pai, protagoniza sua tragédia.
Segundo Rodrigues, conhecido pela atuação no grupo paulista Folias D'Arte ("Happy End"), "Copenhagen" configura-se como uma tragédia cuja estrutura dramática estabelece novos paradigmas para o teatro contemporâneo. É um texto que privilegia a palavra, o embate de idéias, mas permite o deslanchamento do trabalho do ator.
"A gente fundamenta tudo no ator, no jogo atávico do teatro, no mistério e no suspense que está lá em "Édipo Rei", de Sófocles, e também aqui, na peça de Michael Frayn", afirma o diretor.
Ao contrário das montagens inglesa e norte-americana, que investem na proposição de um tribunal no qual os dois físicos vão expor suas idéias, Rodrigues prioriza outro espaço para a encenação, indefinido (apesar de boa parte da ação se passar na casa de Bohr), com projeções de imagens do cosmo que, acredita, ampliam as noções de tempo e espaço.


Peça: Copenhagen
Texto: Michael Frayn
Direção: Marco Antônio Rodrigues
Quando: estréia hoje, às 21h; de qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h
Onde: teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/256-2281)
Quanto: R$ 20
Patrocinador: Amana Key Desenvolvimento e Educação





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