São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Versão não alcança a graça da peça

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Em "O Mistério de Irma Vap", peça do ator e dramaturgo norte-americano Charles Ludlam (1943-1987) que se manteve em cartaz no Brasil durante 11 anos, Marco Nanini e Ney Latorraca trocavam de figurino em segundos, muitas vezes, para encarnar diversos personagens. A montagem dirigida por Marília Pêra não se resumia a isso, mas nocauteava o público graças sobretudo ao ritmo inebriante com que os atores conduziam a extravagância.
"Irma Vap - O Retorno" procura evitar a alternativa fácil da mera transposição do espetáculo para o cinema. Fácil e perigosa: o que sustentava a comunicação -reaquecida toda noite- entre palco e platéia tenderia naturalmente a desaparecer em um filme. Como encontrar o equivalente, por exemplo, à graça provocada pelo frenético entra-e-sai dos atores e pelos "cacos" do texto?
Optou-se, assim, por contar uma história que fala sobre a peça. Não a de Marília, Nanini e Latorraca, mas a que um dia foi estrelada pelos fictícios Tony Albuquerque e Darcy Lopes. A morte de um de seus produtores desencadeia, em seu filho e no sócio remanescente, a idéia de remontá-la com novo elenco, em busca de lucros que paguem as dívidas acumuladas desde que se foram os anos felizes de "Irma Vap".
O primeiro "retorno" de que fala o título é, portanto, o do texto de Ludlam em um contexto de ficção. Quem retorna também, no entanto, é a dupla Nanini-Latorraca das centenas de apresentações de "Irma Vap". Cada um responde por dois personagens, e em mais dois extraídos da peça, reeditando a montagem anterior.
Percorre-se outro caminho para chegar ao mesmo destino. Paga-se, por conseqüência, a mesma tarifa da qual se tentou escapar: ainda que Nanini e Latorraca pareçam se divertir com o reencontro e sejam também capazes de divertir o público, o filme se organiza em torno dos efeitos cômicos de homens interpretando mulheres e de atores encarnando um punhado de personagens distintos.
O cinema entra na celebração com matéria-prima para a paródia. Se a peça olhava com zombaria para "Rebecca, a Mulher Inesquecível" (1940), de Alfred Hitchcock, sobre uma jovem (Joan Fontaine) que vive à sombra da ex-mulher do marido (Laurence Olivier), "Irma Vap - O Retorno" mira em "O que Terá Acontecido com Baby Jane?" (1962), de Robert Aldrich, sobre duas irmãs (Bette Davis e Joan Crawford) que vivem em uma mansão de Hollywood. Não é o bastante para dar ao filme autonomia em relação ao método -não ao tema- da peça de Ludlam e de sua bem-sucedida montagem brasileira.


Irma Vap - O Retorno
  
Direção: Carla Camurati
Produção: Brasil, 2006
Com: Marco Nanini, Ney Latorraca
Quando: a partir de amanhã no Espaço Unibanco e circuito



Texto Anterior: Longa ironiza patrocinadores com morte súbita
Próximo Texto: Artes cênicas: Morre, aos 90 anos, o palhaço Carequinha
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.