São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2006

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ANÁLISE

Carequinha foi mais que engraçado

HUGO POSSOLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A alegria de assistir a um palhaço na infância, ao se transformar em lembrança, ganha ares nostálgicos. É o chavão do palhaço desolado tirando a maquiagem. De fato, não é nada fácil dar a cara a tapas, expor-se só para que os outros se divirtam. A dignidade dos palhaços é meio avessa, de quem se sente bem sendo absolutamente ridículo.
Dessa dignidade esquisita é que viveu George Savalla Gomes, o palhaço Carequinha. Certamente, ele preferiria que o jornal fosse ocupado pela estréia de um novo espetáculo que pela notícia de seu falecimento. E isso não é uma piada. Carequinha mostrou que tão importante quanto ser engraçado é lutar pela arte circense.
Infelizmente, o circo é tratado com mero entretenimento superficial, coisa do povão e, para os mais medíocres, algo populista. Carequinha, junto a Arrelia, Torresmo e Piolin, simbolizam como essa arte tem valor simbólico inegável.
Basta perguntar para alguém mais velho e lá na memória estará guardado o nome de Carequinha. Foi um dos primeiros a levar a diversão circense para a TV, uma espécie de Trapalhões de sua época, quando atuava com Fred, Zumbi e Meio Quilo. Também lançou diversos discos (na época LPs). Um certo tom moralista, que resvalava na idéia de educar as crianças do Brasil, fez o sucesso de canções que ensinavam que "o bom menino não faz pipi na cama". Afirmava na TV que era um defensor da arte circense.
Carequinha usou fama e prestígio e foi fundamental para que se efetivasse a Escola Nacional de Circo, em 1982, ainda hoje a única federal e gratuita.
Uma das cenas mais comoventes que já vi no cinema é a encenação do enterro de um palhaço, feita por Fellini em "Os Palhaços". Lembro dela e sempre desconfio um pouco de quem escreve sobre quem acaba de morrer. Como não confio muito em mim, escondi-me atrás da maquiagem de palhaço para revelar a imensa tristeza pela perda de um ídolo. Mas, nada de choro, a não ser que esguiche na platéia.
Carequinha, cá entre nós, no alto do céu feito de lona, sua estrela sempre figurou. Agora habitará numa constelação em forma de circo. Pode partir com a tranqüilidade de que a comicidade, aparentemente tão efêmera, irá perdurar. Anjos do picadeiro, palhaços do futuro, besteirólogos, jogadores de quintal, mínimos, intrépidos e anônimos pedem passagem para brincar no picadeiro.


Hugo Possolo, 43, é diretor, palhaço e dramaturgo do grupo Parlapatões


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