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ANÁLISE
Carequinha foi mais que engraçado
HUGO POSSOLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A alegria de assistir a um
palhaço na infância, ao se
transformar em lembrança, ganha ares nostálgicos. É o chavão
do palhaço desolado tirando a
maquiagem. De fato, não é nada
fácil dar a cara a tapas, expor-se só
para que os outros se divirtam. A
dignidade dos palhaços é meio
avessa, de quem se sente bem sendo absolutamente ridículo.
Dessa dignidade esquisita é que
viveu George Savalla Gomes, o
palhaço Carequinha. Certamente,
ele preferiria que o jornal fosse
ocupado pela estréia de um novo
espetáculo que pela notícia de seu
falecimento. E isso não é uma piada. Carequinha mostrou que tão
importante quanto ser engraçado
é lutar pela arte circense.
Infelizmente, o circo é tratado
com mero entretenimento superficial, coisa do povão e, para os
mais medíocres, algo populista.
Carequinha, junto a Arrelia, Torresmo e Piolin, simbolizam como
essa arte tem valor simbólico inegável.
Basta perguntar para alguém
mais velho e lá na memória estará
guardado o nome de Carequinha.
Foi um dos primeiros a levar a diversão circense para a TV, uma
espécie de Trapalhões de sua época, quando atuava com Fred,
Zumbi e Meio Quilo. Também
lançou diversos discos (na época
LPs). Um certo tom moralista,
que resvalava na idéia de educar
as crianças do Brasil, fez o sucesso
de canções que ensinavam que "o
bom menino não faz pipi na cama". Afirmava na TV que era um
defensor da arte circense.
Carequinha usou fama e prestígio e foi fundamental para que se
efetivasse a Escola Nacional de
Circo, em 1982, ainda hoje a única
federal e gratuita.
Uma das cenas mais comoventes que já vi no cinema é a encenação do enterro de um palhaço, feita por Fellini em "Os Palhaços".
Lembro dela e sempre desconfio
um pouco de quem escreve sobre
quem acaba de morrer. Como
não confio muito em mim, escondi-me atrás da maquiagem de palhaço para revelar a imensa tristeza pela perda de um ídolo. Mas,
nada de choro, a não ser que esguiche na platéia.
Carequinha, cá entre nós, no alto do céu feito de lona, sua estrela
sempre figurou. Agora habitará
numa constelação em forma de
circo. Pode partir com a tranqüilidade de que a comicidade, aparentemente tão efêmera, irá perdurar. Anjos do picadeiro, palhaços do futuro, besteirólogos, jogadores de quintal, mínimos, intrépidos e anônimos pedem passagem para brincar no picadeiro.
Hugo Possolo, 43, é diretor, palhaço e
dramaturgo do grupo Parlapatões
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