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THIAGO NEY
Bert
Engenheiro elétrico, passou 20 anos sem falar com o filho; ao morrer, seu último gesto foi uma piscada de olho
BERT NÃO foi um herói. Nunca
quis ser um, nada tentou fazer
para sê-lo. Em sua vida comum, ordinária, não protagonizou
episódios que estimulassem uma
biografia apimentada. Pelo menos
não diretamente.
Engenheiro elétrico, Bert passou a
vida trabalhando no mesmo galpão
de fábrica, até se aposentar.
Veterano de guerra, casou-se com
Doris em 1936. Para livrar a mulher
de um serviço obrigatório para o governo britânico, o casal teve um filho. Era 1943. No ano seguinte, em
plena Segunda Guerra Mundial, um
foguete alemão destruiu a casa da família, e eles tiveram de mudar para
um subúrbio londrino.
Reservado, calado, Bert, não compartilhava da paixão do filho pela
música. Quando o menino encanava
de tocar guitarra em casa, costumava resmungar: "Pare com esse barulho". Mas o menino não parava. E
Bert o deixava continuar, até voltar
para casa na noite seguinte, encontrar o filho com a guitarra e resmungar novamente.
Um dos passatempos de verão de
Bert era levar o filho para jogar tênis,
num clube perto de onde moravam.
No início dos anos 60, separou-se
da mulher e, em seguida, viu o filho
sair de casa. Ficou mais de 20 anos
sem falar com o garoto. Os dois se
reencontraram em 1982. E o filho
ainda não tinha largado a guitarra.
Após todos os anos que passaram
distantes, pai e filho se aproximaram novamente. Por causa de seu
trabalho, o filho passava muito tempo fora de casa. A partir de 1989, Bert
começou a acompanhá-lo em todas
as viagens mais longas. Não importava em qual parte do mundo o filho
se metesse -Bert estaria lá.
Em agosto de 2000, a saúde de
Bert ficou bastante debilitada em
decorrência de problemas no coração. Na cama do hospital, seu último
gesto foi uma terna piscada de olho
em direção ao filho. Bert morreu.
Cremado, suas cinzas foram cheiradas pelo filho.
A empresária de Keith Richards
desmentiu o episódio. Disse que
Keith Richards estava "brincando"
quando contou a história durante
uma entrevista. Pode até ser. Não
importa. Alguém duvida que o guitarrista dos Stones seria capaz de
cheirar as cinzas do pai?
Dá para gastar muita tinta com
Keith Richards. Os riffs perfeitos de
"Satisfaction", "Start Me Up"...;
composições como "Street Fighting
Man", "You Can't Always Get What
You Want"...; a lenda de que ele teria
trocado todo o sangue numa clínica
da Suíça, para se desintoxicar de
drogas pesadas; o fato de ter inspirado um livro com o sugestivo título "I
Was Keith Richards" Drug Dealer"
(Eu fui traficante de Keith Richards), de Tony Sanchez.
E, é claro, deve-se respeitar um
milionário de 62 anos que passa por
uma cirurgia na cabeça porque se arrebentou no chão ao tentar escalar
um coqueiro nas Ilhas Fiji.
Keith Richards é um gênio do rock.
thiago@folhasp.com.br
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