|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Norte e Sul se defrontam no 6º Abril pro Rock
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial a Recife
As duas primeiras noites da sexta
edição do festival Abril pro Rock,
consumadas sexta e sábado passados no Centro de Convenções de
Pernambuco, confirmaram o já
esperado: não houve, até ali, grandes revelações ao pop nacional.
Num cenário de certa regularidade -muita fusão de ritmos na
sexta, muito barulho no sábado-, as platéias pernambucanas
se mostraram mais surpreendentes que as próprias bandas. Em
tempo de coco ou de bate-estaca, o
público ostentou civilidade que as
platéias "centrais" de Rio e São
Paulo desconhecem.
Por ironia, o único artista que
"mereceu" latinhas de cerveja do
público foi o gaúcho Wander
Wildner, justamente o mais profissional a se expor naquele palco.
Foi de Wildner um dos dois melhores momentos do festival. Jogando a um público a princípio
hostil "brega-rock" antigão de excelentes melodias, o sulista veterano -ex-Replicantes- protagonizou (no que foi acompanhado pela
bem menos treinada Luciana Pestano) movimento de refluxo da
cultura mangue beat.
Pois se cocos e maracatus nesse
Brasil pós-mangue já estão mais
que assimilados de norte a sul,
mangueboys levaram bonito susto
diante de canções despudoradas
como "Freira Desalmada" e "A
Empregada" -pensaram estar
diante de Amado Batista, e não estavam.
Foi, até então, o grande saldo do
festival. Deu-se afinal o congraçamento sempre presente no mangue em discurso, mas só agora
concretizado de fato: não sem
traumas, norte e sul do Brasil tiveram que se ouvir mutuamente.
Não por acaso, de novo, o outro
grande momento foi provocado
pelo Cascabulho -outra não-revelação, já que fora revelado em
97. Começando com a manifestação popular da La Ursa ("a La Ursa
quer dinheiro/ quem não der é pirangueiro") e terminando com o
maracatu "Estrela Brilhante"
-ambos em plena platéia-, Cascabulho mostrou que referências
velhas podem dar caldo novo.
A mistura era forte: um frontman carismático de voz à Alceu
Valença; rock passado, às vezes
lembrando a velha Ave Sangria
(que o desastroso Querosene Jacaré também pretende invocar),
banda local meio progressiva banida no meio dos 70 devido a uma
letra de teor homossexual; um boi
folclórico apelidado David Boi;
matizes árabes; coco sincopado;
capoeira; bebop à Jackson do Pandeiro; samba-rock; "Ogodô Ano
2000", de Tom Zé; mãe Clementina de Jesus, pai Gordurinha.
Parece referência demais, mas o
recado é um só: já que não se sabe
mais o que fazer do subdesenvolvimento, é hora de folclorizá-lo,
invertendo a velha máxima tropicalista. Há algo novo aí.
Não foi muito mais. No primeiro
dia, Edmílson do Pífano mostrou
bonita música primitiva; Comadre
Florzinha (onde elas inventaram
esse nome, hein?) incorporou uma
"Mestra Ambrósia" -interessante, mas com muita raiz para
pouco pop; Skank foi mesmice só.
À parte Wildner (escalado equivocadamente para a noite
"hard") e os vigorosos meninos
do Sheik Tosado, sábado a mediocridade imperou, num sem-fim de
bandas-porrada sem personalidade. Aí, quem se diferenciava acabava por se igualar pelo espírito
reinante.
Lacertae exibiu louca formação
de dois homens (um entronizando
berimbau na bateria) em rock moderno prejudicado por um conceito vencido de vocais. Dona Margarida Pereira e Os Fulanos desperdiçaram com excesso de peso versos inteligentes como os de "Monotonólogo": "O tempo que
acontece não muda o mesmo momento, segunda após segundo o
mesmo é mesmo há tempo".
Os cariocas fizeram feio com a
pauleira anedótica e/ou misógina
-como diria o colega, rock de
macho, logo subdesenvolvido-
de Squaws, Funk Fuckers, Acabou
la Tequila e Baba Cósmica.
"Sábado de Sol", da Baba, foi
recebida com gestos obscenos pelo educado público pernambucano. Precisa dizer mais? Por sorte,
os Suicidal Tendencies cancelaram a turnê brasileira de última
hora. Nem deu tempo de substituir, ufa.
O jornalista
Pedro Alexandre Sanches viajou a
convite da organização do festival.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|