São Paulo, segunda, 6 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA
Norte e Sul se defrontam no 6º Abril pro Rock

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial a Recife

As duas primeiras noites da sexta edição do festival Abril pro Rock, consumadas sexta e sábado passados no Centro de Convenções de Pernambuco, confirmaram o já esperado: não houve, até ali, grandes revelações ao pop nacional.
Num cenário de certa regularidade -muita fusão de ritmos na sexta, muito barulho no sábado-, as platéias pernambucanas se mostraram mais surpreendentes que as próprias bandas. Em tempo de coco ou de bate-estaca, o público ostentou civilidade que as platéias "centrais" de Rio e São Paulo desconhecem.
Por ironia, o único artista que "mereceu" latinhas de cerveja do público foi o gaúcho Wander Wildner, justamente o mais profissional a se expor naquele palco.
Foi de Wildner um dos dois melhores momentos do festival. Jogando a um público a princípio hostil "brega-rock" antigão de excelentes melodias, o sulista veterano -ex-Replicantes- protagonizou (no que foi acompanhado pela bem menos treinada Luciana Pestano) movimento de refluxo da cultura mangue beat.
Pois se cocos e maracatus nesse Brasil pós-mangue já estão mais que assimilados de norte a sul, mangueboys levaram bonito susto diante de canções despudoradas como "Freira Desalmada" e "A Empregada" -pensaram estar diante de Amado Batista, e não estavam.
Foi, até então, o grande saldo do festival. Deu-se afinal o congraçamento sempre presente no mangue em discurso, mas só agora concretizado de fato: não sem traumas, norte e sul do Brasil tiveram que se ouvir mutuamente.
Não por acaso, de novo, o outro grande momento foi provocado pelo Cascabulho -outra não-revelação, já que fora revelado em 97. Começando com a manifestação popular da La Ursa ("a La Ursa quer dinheiro/ quem não der é pirangueiro") e terminando com o maracatu "Estrela Brilhante" -ambos em plena platéia-, Cascabulho mostrou que referências velhas podem dar caldo novo.
A mistura era forte: um frontman carismático de voz à Alceu Valença; rock passado, às vezes lembrando a velha Ave Sangria (que o desastroso Querosene Jacaré também pretende invocar), banda local meio progressiva banida no meio dos 70 devido a uma letra de teor homossexual; um boi folclórico apelidado David Boi; matizes árabes; coco sincopado; capoeira; bebop à Jackson do Pandeiro; samba-rock; "Ogodô Ano 2000", de Tom Zé; mãe Clementina de Jesus, pai Gordurinha.
Parece referência demais, mas o recado é um só: já que não se sabe mais o que fazer do subdesenvolvimento, é hora de folclorizá-lo, invertendo a velha máxima tropicalista. Há algo novo aí.
Não foi muito mais. No primeiro dia, Edmílson do Pífano mostrou bonita música primitiva; Comadre Florzinha (onde elas inventaram esse nome, hein?) incorporou uma "Mestra Ambrósia" -interessante, mas com muita raiz para pouco pop; Skank foi mesmice só.
À parte Wildner (escalado equivocadamente para a noite "hard") e os vigorosos meninos do Sheik Tosado, sábado a mediocridade imperou, num sem-fim de bandas-porrada sem personalidade. Aí, quem se diferenciava acabava por se igualar pelo espírito reinante.
Lacertae exibiu louca formação de dois homens (um entronizando berimbau na bateria) em rock moderno prejudicado por um conceito vencido de vocais. Dona Margarida Pereira e Os Fulanos desperdiçaram com excesso de peso versos inteligentes como os de "Monotonólogo": "O tempo que acontece não muda o mesmo momento, segunda após segundo o mesmo é mesmo há tempo".
Os cariocas fizeram feio com a pauleira anedótica e/ou misógina -como diria o colega, rock de macho, logo subdesenvolvido- de Squaws, Funk Fuckers, Acabou la Tequila e Baba Cósmica.
"Sábado de Sol", da Baba, foi recebida com gestos obscenos pelo educado público pernambucano. Precisa dizer mais? Por sorte, os Suicidal Tendencies cancelaram a turnê brasileira de última hora. Nem deu tempo de substituir, ufa.


O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a convite da organização do festival.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.