São Paulo, segunda, 6 de abril de 1998

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SALVADOR
PercPan é feito de encontros surpreendentes

CARLOS CALADO
enviado especial a Salvador

Aparentemente, seria apenas uma retrospectiva dos dois primeiros concertos. No entanto, o público presente à noite de encerramento do PercPan -que terminou na madrugada de ontem, em Salvador- foi premiado com vários encontros inéditos.
O mais emocionante, sem dúvida, aconteceu sob a forma de um festivo "gran finale": os mais de 150 músicos uniram-se, no palco do teatro Castro Alves. Sob o comando do mestre senegalês Doudou Rose e de Gilberto Gil, cantaram juntos pela paz mundial.
Ver tantos africanos, japoneses e brasileiros de vários cantos do país, sorrindo e interagindo com seus instrumentos, dava a qualquer um a nítida impressão de que essa paz é mesmo possível.
Foram quatro horas exatas de música quase ininterrupta -da abertura com Gilberto Gil e o afoxé Filhos de Gandhy até a exibição de Doudou Rose e sua vibrante orquestra de percussão, que inclui dez mulheres.
Dançando e cantando, graciosas e sorridentes, as garotas emprestam um toque de delicadeza à violência frenética dos tambores falantes do grupo senegalês.

Japão
A presença feminina também é responsável direta pelo carisma do grupo japonês Wadaiko Yamato -outro favorito da platéia, que chegou a aplaudi-lo de pé.
Os gestos majestosos e o caráter tipicamente marcial da música percussiva japonesa ganharam um tom mais sutil quando ela foi tocada pelas garotas -algo impensável, nessa rígida tradição, até muito pouco tempo atrás.
Numa noite dominada por vários tipos de tambores, brilhou também o virtuosismo de Aja Addy (de Gana), que impressiona por sua técnica e velocidade, especialmente nos "talking drums" e no "djembé" (um tambor cilíndrico, tocado com uma baqueta encurvada, sob um dos braços).
Muito bem-humorado, rebolando mais que Carla Perez, com uma divertida dança de feiticeiro, o percussionista africano arrancou sorrisos e muitos aplausos.
Outra atração que conquistou de imediato a platéia, tanto na sexta-feira como no sábado, foi a banda Lactomia. A exibição segura e criativa dos garotos, afilhados musicais de Carlinhos Brown, indica que a banda pode se tornar rapidamente a próxima sensação do gênero, depois da Timbalada.

Hermeto
Repetindo o impacto de sua apresentação na noite de abertura, Hermeto Pascoal deixou de lado, mais uma vez, seus saxofones e teclados, para comandar um concerto de percussões inusitadas.
Ganhou logo a platéia com uma suíte composta por sucessos de Dorival Caymmi, Gil e Caetano Veloso, instrumentada para cinco garrafas. Mas também exibiu novidades, como uma composição para dez tubos metálicos. Mais uma vez, o "bruxo" alagoano deixou o público boquiaberto.
Se Hermeto convocou Gil e Naná Vasconcelos para dividirem um improviso, a cantora e bailarina Alessandra Belloni fez o mesmo com o flautista e o violinista da banda Frutos do Mangue. A performance da italiana, especialista em pandeiros, ganhou bastante com essa parceria.
Aliás, quem viu o show de estréia dos Frutos do Mangue -banda que destaca Alceu Valença, Naná e músicos do grupo Mestre Ambrósio- pôde sentir a vantagem do show de sábado.
Mais à vontade, a banda pernambucana aprimorou sua deliciosa seleção de ritmos locais, como o coco, o maracatu e o forró, com direito a vistosas coreografias do quarteto de vocalistas.
Já a exibição dos pagodeiros Bezerra da Silva, Jovelina Pérola Negra e Zeca Pagodinho, como era de esperar, repetiu o sucesso da estréia, mesmo com o repertório um pouco modificado.
Fazendo um balanço pessoal dos primeiros cinco anos do PercPan -durante uma entrevista coletiva, no sábado- Gilberto Gil disse que o festival poderá utilizar espaços alternativos, já em 99, como a concha acústica do próprio teatro Castro Alves.
Com uma edição muito bem-sucedida, em termos artísticos e de organização, o PercPan parece ter se firmado de vez como um evento original, que não fica devendo nada a outros festivais do gênero no cenário internacional.


O jornalista Carlos Calado viajou a Salvador a convite da Beth Cayres Produções.



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