São Paulo, segunda-feira, 06 de maio de 2002

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EXPOSIÇÃO

Anatomia do movimento


Mostra traz a SP, a partir de quarta, a obra de Jesús Soto, o venezuelano que injetou movimento nas artes plásticas


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando começou a estudar artes, na Venezuela dos anos 40, Jesús Soto enfrentava, a cada vernissage, o mesmo velho ponto de interrogação. Por que diabos as pessoas gastavam pouquíssimos minutos espiando as pinturas e esculturas e eram capazes de ficar mais de uma hora ouvindo qualquer concerto programado para animar a inauguração da mostra?
Daqui a dois dias, quando mais de 40 obras desse artista enfrentarem mais um vernissage, o público paulistano terá pela frente, com bastante tempo, as instigantes respostas que Jesús Soto deu para a sua própria equação.
Não será o primeiro, o segundo ou o terceiro encontro de São Paulo com o trabalho de um dos mais importantes criadores latino-americanos do século 20. Mas será um dos mais completos e o maior já feito por uma galeria.
A exposição que começa na quarta-feira, na Dan Galeria, reúne desde peças desenvolvidas em 1955, ano em que Soto e um pequeno grupo de artistas fizeram a primeira exposição da chamada arte cinética, até uma boa amostra do que o venezuelano vem fazendo nos últimos dois anos.
De Paris, onde mora desde 1950, o artista de 79 anos conversou por telefone com a Folha, sobre a trajetória que o levou "da selva à quarta dimensão da arte".
A história começa em Ciudad Bolívar, encravada na parte venezuelana da floresta amazônica. Nessa cidade, onde seria criado em 71 o imponente Museu de Arte Moderno Jesús Soto, nasceu o artista, filho de família simples.
Mas foi na capital venezuelana, na Escola de Artes Plásticas e Aplicadas de Caracas, em 1942, que o rapaz magrelo e desajeitado começou a tomar contato com a arte, tendo como companheiro de aulas Carlos Cruz-Diez.
"O cubismo tinha feito sua parte até 1916. Eu tinha nascido em 1923. Cresci em um imenso vazio da arte contemporânea. Quando terminei meus estudos em Caracas, em 1947, continuei com uma grande inquietude", lembra Soto. "Um dia me dei conta de que me maravilhava o pedido de tempo que a música faz. Ela solicita tempo ao ouvinte para que receba sua mensagem. Por outro lado, alguém pode ir a um museu ver Rubens, ou seja lá o que for, e passar menos de cinco minutos para ver um quadro", conta Soto.
"Vê um, vê outro; passa e passa. Cada obra dessa teve tanto ou mais trabalho por trás do que uma peça sonora. E a música pede o mínimo de um quarto de hora."
Estudando violão, ele chegou à conclusão de que o que faltava nas artes plásticas era mesmo tempo.
Carregando pouco mais do que a viola, que seria seu sustento por dez anos, Soto foi a Paris. Ele acreditava que os cubistas eram os que mais próximo haviam chegado de aprisionar o tempo na arte e que a capital francesa era o lugar certo para encontrá-los.
Certo? Errado. O venezuelano topou com muito pouco cubismo, mas, em compensação, cruzou caminhos com os dois elementos que fermentariam a sua linguagem artística.
O primeiro era a arte abstrata e as pesquisas dos antecessores do que viria a ser a arte cinética, os móbiles de Alexander Calder e a imaginação delirante de Marcel Duchamp, autor da clássica pintura "Nu Descendo a Escada".
O segundo elemento foi a música contemporânea. "Pude aprender muito com o serialismo e a dodecafonia. A música serial atribuía um número a cada nota musical. Então faziam uma espécie de permutações numéricas para chegar às composições. Comecei a me perguntar por que não fazer um trabalho serial com a cor."
Soto distribuiu, então, um número de um a oito a um octeto de cores e começou a fazer permutações entre elas. "Isso gerou uma sensação de vibração fantástica, a cor passou a vibrar, de modo diferente do que a vibração dos impressionistas." O artista começava a atingir seu objetivo: aprisionar o tempo na arte, fazendo com que ela tivesse movimento.
Em abril de 1955, ele, o húngaro Victor Vasarely, o americano Calder, o francês Duchamp, o suíço Jean Tinguely, o israelense Agam e o belga Pol Bury fazem na galeria Denise René a histórica exposição "O Movimento".
"Alguns críticos que viram isso deram a nossa arte o rótulo de cinética. Tivemos sorte, até, no nome. Cubismo, por exemplo, me parece um absurdo. A arte cubista é justamente a ruptura do cubo."
Quem visitar a exposição do artista na Dan Galeria, organizada por Flávio Cohn, deve ter em conta que o movimento, sobre o qual fala o artista (e a história da arte), inclui a visão do espectador. De acordo com o ponto de observação e do movimento de quem olha os trabalhos de Soto, as obras mudam de cor e "se movem".
É esse "movimento" que ele chama de "quarta dimensão". "O espectador passa a ser uma espécie de cúmplice da obra. Ela só funciona quando o espectador participa. Antes, as artes plásticas falavam em energia, tempo e espaço e, com o testemunho do público, faço nascer o movimento."
O discurso pode parecer difícil, mas apreciar o trabalho de Soto não é. Na 23ª Bienal de São Paulo, uma das cinco da qual ele participou, foi feita uma pesquisa com o público sobre o que ele mais gostou. O resultado: Picasso, Edvard "O Grito" Munch e uma esfera vermelha de Soto, semelhante a uma que estará na mostra.
"Minha arte não é difícil. Difícil é entender a situação política atual da Venezuela. Não sei que técnica está usando a política atual para que ninguém possa segui-la. Estou completamente perdido", brinca Jesús Soto.


SOTO - Quando: qua., às 19h; seg. a sex., das 10h às 18h; sáb., das 10h às 14h; até 8/6. Onde: Dan Galeria (r. Estados Unidos, 1.638, tel. 0/xx/11/3083-4600). Preços das obras : de R$ 3.000 a R$ 89 mil.



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