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CINEMA/"A OUTRA FACE DA RAIVA"
Diretor americano focaliza drama familiar com câmera convencional e voz lúcida
Mike Binder desenterra cadáveres e tesouros
PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Os filmes familiares seguem
algo semelhante a uma escavação, em que se encontram itens
do subsolo jamais imaginados
diante da superfície fértil. Isso é
comum nas adaptações baseadas
em Tennessee Williams, por
exemplo, ou, mais canhestramente, nos telefilmes que psicologizam seus personagens. Não à toa,
em "A Outra Face da Raiva" há
um terreno sendo loteado, o da
família Wolfmeyer, desmembrada há pouco também.
Terry Wolfmeyer (Joan Allen),
mãe de quatro filhas, foi abandonada pelo marido, que teria partido para a Suécia com a secretária.
Quem nos introduz à história é a
caçula das irmãs, Popeye (Evan
Rachel Wood), que fala sobre sua
mãe, então afável e alegre, ter ficado rancorosa após o baque.
Mas o que está em questão neste
filme de Mike Binder não é tanto
justificar a diagramação psicológica de seus personagens, tampouco prospectar segredos no
subsolo histórico familiar, mas
sim atenuar o que seria uma tragédia em outros filmes.
Claro que nem tudo são louros
neste filme, e uma câmera convencional (quase como a de
"Gente como a Gente") mostra
também a revolta das filhas, que
têm sua mamãe tomando vodca e
soltando farpas em tempo integral. Ainda assim, há a figura do
vizinho ex-jogador de beisebol
Dennys Davies (Kevin Costner),
cujos fantasmas determinam
poucas coisas nele, talvez o apego
ao álcool e um certo amargor,
mas não uma existência enfurecida no mundo. Pelo contrário,
sempre lúdico, o decadente bebum traz consciência sobre a pequenez egoísta da bela Terry, que
parece cega à vida e às filhas.
Mesmo eternamente bêbado,
ele é a grande voz lúcida deste filme e que inclusive se contrapõe à
de Popeye, que arrisca dizer que o
mundo é distópico, com seres que
se aniquilam e explosões nucleares que desenham o horizonte.
Diferente do olhar único moralista de um "Beleza Americana", por
exemplo, este filme deixa espalhadas várias situações, como uma
das filhas usar drogas sem que isso repercuta em problemas maiores ou outra delas estar namorando um quarentão aproveitador.
Este, aliás, é motivo de ira de
Terry, mas não do narrador.
Não há, sobretudo, uma necessidade em resolver problemas.
Eles aparecem na tela, mas com o
mesmo tratamento com os quais
surgem os momentos leves do filme, todos regidos por Dennys,
apaixonado e mais preocupado
em assumir compromisso com
Terry, cujo humor e filhas já são
um grandissíssimo pepino.
É como se aqui se desenterrassem cadáveres e tesouros, sem
distinção entre um e outro, já que
ambos fazem parte da geografia
do terreno. As resoluções no caminhar da história, portanto, são
passageiras e nada espetaculosas.
Eis que essa concepção moderna que leva em conta a multiplicidade das coisas no mundo e o registro imparcial das coisas que
aparecem e agem na tela não ganha tradução arrojada à altura.
Falta no longa um divórcio do padrão telefilme familiar, o que é até
curioso sendo Mike Binder mais
íntimo de uma caligrafia de cinema indie norte-americano.
A Outra Face da Raiva
The Upside of Anger
Direção: Mike Binder
Produção: EUA/Alemanha/Reino Unido,
2005
Com: Joan Allen, Kevin Costner
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Bristol, Kinoplex Itaim e circuito
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