São Paulo, sexta, 6 de junho de 1997.



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Filme capta ator como um de seus personagens

da Equipe de Articulistas

Nem mesmo a estrutura caótica consegue derrubar "Eu Me Lembro, Sim, Eu Me Lembro". Marcello Mastroianni continua hipnótico vivendo seu último papel: o de Marcello Mastroianni.
Ei-lo depondo para a câmera exatamente com o espírito de seus principais personagens: frágil, modesto, irônico. As palavras e a postura do ator passam a mensagem de sempre: cinema e vida não são tão distantes assim, não os leve tanto a sério.
Mastroianni cercou-se de amigos para este último esforço. Já bastante abalado pelo câncer que o vitimou em dezembro passado, o ator reuniu para a produção, além de sua companheira Tató como diretora, o fotógrafo Giuseppe Rotundo e o músico Armando Trovajoli.
A maior parte das filmagens aconteceu em Portugal, no segundo semestre de 1996, durante o trabalho de Mastroianni naquele que seria seu último filme de ficção, "Viagem ao Começo do Mundo", de Manoel de Oliveira. Foram registradas seis horas de depoimentos. "Eu Me Lembro" selecionou apenas 95 minutos -e assim foi exibido no último Festival de Cannes.
Uma versão mais extensa será lançada no próximo Festival de Veneza, no final de agosto. "Serão duas partes, totalizando quatro horas", disse a diretora Tató à Folha em Cannes.
"Ainda não sei como vou estruturar o material, pois ainda não comecei a trabalhar nesta versão longa. Estava ocupada com a finalização do filme para Cannes", reconheceu.
Deverão ser incluídos trechos em que Mastroianni fala de sua adolescência e da paixão por arquitetura. Suas falas sobre Mario Monicelli e Ettore Scola devem se juntar às lembranças de Visconti e Fellini presentes na primeira versão.
Carisma
O carisma de Mastroianni é toda a força do filme. Há um único momento de criatividade cinematográfica, que Tató assume dever muito a uma sugestão de Rotundo. A abertura é um plano de sete minutos em que vemos apenas a sombra da cabeça de Mastroianni. Ele depõe, sem cronologia, sobre as grandes lembranças que ficaram. A sentença "Eu me lembro" abre cada depoimento.
Uma versão italiana de "Ben-Hur" foi o primeiro filme que o ator viu, aos seis anos. Clark Gable e Carlitos foram seus ídolos. Encontrou Greta Garbo, que se limitou a perguntar: "Sapatos italianos?".
O pai, quase cego, e a mãe, surda, uniam forças para ver os primeiros filmes do filho. A neve em Moscou, os arranha-céus de Nova York e a luz de Jerusalém marcaram o devotado ator-viajante.
Depois desse tocante prólogo, o filme resume-se à colagem das declarações biográficas de Mastroianni para a câmera. Respeitando o pedido do ator, que dizia não gostar de extratos de filmes, Tató recorreu a poucas cenas de arquivo. Duas delas são raríssimas.
Uma traz Fellini dirigindo Mastroianni nos ensaios de "Viagem a Mastorna", o mítico projeto jamais concretizado. Na outra, eis Marcello cantando e dançando no único musical que protagonizou no teatro, "Ciao, Rudy" (1968), que reconstituía a carreira de Rudolph Valentino. O baú de Mastroianni ainda deve ter muito a revelar. É questão de tempo.
(Amir Labaki)



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