São Paulo, quinta-feira, 06 de junho de 2002

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LITERATURA

Obra do escritor libanês radicado em Santa Catarina tem raízes no trabalho jornalístico e nas origens orientais

Salim Miguel ganha Troféu Juca Pato

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O jornalista e escritor Salim Miguel, 78, foi anunciado vencedor do Troféu Juca Pato, correspondente ao concurso Intelectual do Ano, promovido pela União Brasileira de Escritores com patrocínio da Folha.
O prêmio é concedido anualmente, desde 1963, a um intelectual que tenha publicado uma obra relevante para a cultura nacional no ano anterior. Salim Miguel foi candidato único.
No caso de Miguel, a obra que rendeu o reconhecimento foi "Eu e as Corruíras" -que já era, em si, uma homenagem: a coletânea, lançada em Florianópolis pelas Edições Sul, comemorava os 50 anos da carreira literária do jornalista libanês, que chegou a Santa Catarina aos três anos de idade.
"A primeira coisa que eu diria [sobre o prêmio" é que isso reativa o interesse pela obra do escritor", diz Miguel, por telefone à Folha. "Com isso, as pessoas vão se perguntar por que Salim Miguel, e não outro escritor, recebeu o Prêmio Intelectual do Ano."
"Em segundo lugar, é um incentivo para alguém que trabalha como jornalista em livros há mais de 50 anos", diz o autor de sua carreira, marcada pelo "esforço para entender o bicho-homem".
As intenções de Miguel encontram eco no ofício que o aclama vencedor. O documento classifica "Eu e as Corruíras" como o coroamento da obra de "um grande incentivador das artes e da literatura", que "sempre incorporou aos seus escritos uma visão nacionalista da literatura e um sentimento de soberania nacional em suas apreciações críticas".
O ofício destaca ainda o comprometimento de Miguel com "a linha do pensamento brasileiro" e o lembra como intelectual que se bate pela "persistência da luta em defesa dos nossos valores e da justiça social".
Na biografia de Salim Miguel -jornalista que "fez de tudo, até horóscopo", trabalhando entre Santa Catarina e Rio de Janeiro-, o momento crucial dessa luta encontra lugar em sua prisão, no ano de 1964, pelo regime militar.
A experiência está registrada em "Primeiro de Abril, Narrativas da Cadeia", escrito numa incomum segunda pessoa -porque, conta, não quis se "colocar demais", porque "estava preso com outros 60", e buscou evitar o distanciamento excessivo que julgava resultar a terceira pessoa.
"Costumo dizer que sou, basicamente, jornalista profissional; são raríssimos os que vivem de direitos autorais de seus livros", afirma o autor de mais de 20 títulos -"15 ou 16", calcula, de ficção, nutridos com frequência no exercício da reportagem.
"Trabalhando para a revista "Manchete", percorri todo o Brasil; conheço todos os Estados brasileiros à exceção de dois, Mato Grosso do Sul e Acre."
"Às vezes, em conversas, anotava incidentes que não tinham nada a ver com o trabalho para a revista" -mas que deram em contos e romances. Resultado dessa mescla está, por exemplo, em "A Voz Submersa". Publicado originalmente pela editora Global, o romance está esgotado, mas Miguel sonha com que volte ao prelo, por conta do Juca Pato.
"Voz", conta Miguel, parte de histórias que não puderam sair na imprensa, por causa da censura.
"A base do romance é o assassinato do estudante Édson Luís, no restaurante Calabouço, em 68." No livro, uma mulher ("já problematizada") assiste à morte do secundarista. O romance acompanha as consequências que o fato tem sobre sua vida pessoal.
Outra fonte fundamental na literatura de Salim Miguel está em sua própria origem libanesa. "No meu caso, em boa parte dos meus 16 livros de ficção, ela aparece direta ou indiretamente."
É o caso de um de seus romances mais recentes, "Nur na Escuridão" ("não é nu, é Nur, com r", frisa), que conta a saga da "nova descoberta do Brasil" por uma família de imigrantes libaneses e como ela se transforma, "sem perder suas raízes", em uma família de brasileiros.
No próximo dia 13, culmina a fase de homenagens a Miguel: na data, o escritor que se forjou entre a redação e as histórias das Arábias contadas pelo pai, vira doutor honoris causa pela Universidade Federal de Santa Catarina.



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