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Crítica/erudito
Alexandre Tharaud faz do piano um instrumento novo da música antiga
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Que o segundo movimento do "Concerto
para Piano e Orquestra" nº 23 de Mozart
(1756-91) é um dos mais bonitos
do repertório deve ser consenso; para além disso, a escolha em
especial desse concerto fazia
um sentido também especial.
Não só porque o jovem pianista francês Alexandre Tharaud toca Mozart como um
predestinado, mas também
porque o segundo movimento
ganha uma homenagem explícita no "Concerto em Sol" de
Ravel (1875-1937) e Tharaud já
se consagrou como intérprete
deste seu conterrâneo -de
quem tocou duas peças num recital solo, na quarta-feira.
Em 2007, o pianista lançou
um CD com obras do gênio barroco francês Couperin (1668-1733). Alguns anos antes, gravara um disco só de Rameau
(1682-1764), a quem dedicou
metade do seu primeiro concerto na Sala São Paulo. Fazer
essas peças para cravo no piano
exige, além de virtuosismo digital, toda uma carga de audácia,
face às exigências musicológicas da interpretação "autêntica". Pois Tharaud toca os barrocos franceses como ninguém
e faz do piano um instrumento
novo da música antiga.
Quarta passada, no primeiro
ataque, já fez um ornamento
extraordinário: algo lindo e diferente, estranho e maravilhoso. O teclado de um cravo não
permite variação de volume; a
música soa sempre no mesmo
plano sonoro. Imitar isso ao
piano seria caricato. Tharaud
se permite criar planos distintos entre as vozes, sem chopinizar as coisas, mas o bastante para revelar segredos pouco intuídos em Rameau. A música ficava mais e mais interessante a
cada novo estágio da "Suíte em
Lá Maior".
Intérprete mozartiano
Ali, como depois no Ravel
("Sonatina" e "Tombeau de
Couperin"), as plasticidades ornamentais da música são figura
e fundo ao mesmo tempo. Podem parecer só ornamento;
mas não estão "ornamentando" nada: são a coisa em si. Elegante e discretamente abusadas, luxuosas sem ostentação,
ganhavam uma imagem alegórica nas abotoaduras negras do
pianista, rimando com os sapatos e dançando no ar.
Nada mais natural, depois,
que Tharaud viesse a se revelar
um grande intérprete mozartiano também. Anteontem, à
frente da Osesp regida por Yoram David, ele fez quase o contrário do que fizera com Rameau: recriou as rendas de arpejos e escalas em texturas incrivelmente fluidas, sem deixar
de articular cada nota, mas sem
dramatizar crescendos ou diminuendos. E essa aparente
neutralidade tocava num grau
zero da beleza que depois, no
famoso segundo movimento,
podia então sair de dentro de si
para as expressões do fora.
É verdade que a Osesp nem
sempre entrava nessa mesma
dimensão. Mas isso não deixava de ser interessante, ressaltando o conflito entre solista e
orquestra. Contrastava de outro modo ainda com as sombras
da "Sinfonia de Réquiem" de
Britten (1913-76), de um lado, e
os êxtases da "Sinfonia nº 5" de
Sibelius (1865-1957), de outro
-dois compositores que não
cessam de melhorar, décadas
depois de sua morte. Lições de
música, lições de vida, naquele
plano onde essas coisas não se
distinguem mais.
OSESP/ALEXANDRE
THARAUD/YORAM DAVID
Quando: hoje, às 16h30
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, 16, tel. 0/xx/11/3223-3966)
Quanto: R$ 30 a R$ 104
Classificação: 7 anos
Avaliação: ótimo
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