São Paulo, sábado, 06 de junho de 2009

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Crítica/erudito

Alexandre Tharaud faz do piano um instrumento novo da música antiga

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Que o segundo movimento do "Concerto para Piano e Orquestra" nº 23 de Mozart (1756-91) é um dos mais bonitos do repertório deve ser consenso; para além disso, a escolha em especial desse concerto fazia um sentido também especial.
Não só porque o jovem pianista francês Alexandre Tharaud toca Mozart como um predestinado, mas também porque o segundo movimento ganha uma homenagem explícita no "Concerto em Sol" de Ravel (1875-1937) e Tharaud já se consagrou como intérprete deste seu conterrâneo -de quem tocou duas peças num recital solo, na quarta-feira.
Em 2007, o pianista lançou um CD com obras do gênio barroco francês Couperin (1668-1733). Alguns anos antes, gravara um disco só de Rameau (1682-1764), a quem dedicou metade do seu primeiro concerto na Sala São Paulo. Fazer essas peças para cravo no piano exige, além de virtuosismo digital, toda uma carga de audácia, face às exigências musicológicas da interpretação "autêntica". Pois Tharaud toca os barrocos franceses como ninguém e faz do piano um instrumento novo da música antiga.
Quarta passada, no primeiro ataque, já fez um ornamento extraordinário: algo lindo e diferente, estranho e maravilhoso. O teclado de um cravo não permite variação de volume; a música soa sempre no mesmo plano sonoro. Imitar isso ao piano seria caricato. Tharaud se permite criar planos distintos entre as vozes, sem chopinizar as coisas, mas o bastante para revelar segredos pouco intuídos em Rameau. A música ficava mais e mais interessante a cada novo estágio da "Suíte em Lá Maior".

Intérprete mozartiano
Ali, como depois no Ravel ("Sonatina" e "Tombeau de Couperin"), as plasticidades ornamentais da música são figura e fundo ao mesmo tempo. Podem parecer só ornamento; mas não estão "ornamentando" nada: são a coisa em si. Elegante e discretamente abusadas, luxuosas sem ostentação, ganhavam uma imagem alegórica nas abotoaduras negras do pianista, rimando com os sapatos e dançando no ar.
Nada mais natural, depois, que Tharaud viesse a se revelar um grande intérprete mozartiano também. Anteontem, à frente da Osesp regida por Yoram David, ele fez quase o contrário do que fizera com Rameau: recriou as rendas de arpejos e escalas em texturas incrivelmente fluidas, sem deixar de articular cada nota, mas sem dramatizar crescendos ou diminuendos. E essa aparente neutralidade tocava num grau zero da beleza que depois, no famoso segundo movimento, podia então sair de dentro de si para as expressões do fora.
É verdade que a Osesp nem sempre entrava nessa mesma dimensão. Mas isso não deixava de ser interessante, ressaltando o conflito entre solista e orquestra. Contrastava de outro modo ainda com as sombras da "Sinfonia de Réquiem" de Britten (1913-76), de um lado, e os êxtases da "Sinfonia nº 5" de Sibelius (1865-1957), de outro -dois compositores que não cessam de melhorar, décadas depois de sua morte. Lições de música, lições de vida, naquele plano onde essas coisas não se distinguem mais.


OSESP/ALEXANDRE
THARAUD/YORAM DAVID



Quando: hoje, às 16h30
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, 16, tel. 0/xx/11/3223-3966)
Quanto: R$ 30 a R$ 104
Classificação: 7 anos
Avaliação: ótimo




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