São Paulo, sábado, 6 de junho de 1998

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Seminário do Mercosul em SC fica entre o útil e o blablablá

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Após quatro dias e sete mesas de debates no 2º Seminário de Cinema e Televisão do Mercosul, em Florianópolis (SC), impossível não concordar com o produtor argentino Kiko Tenembaum, que abriu sua intervenção na manhã de quinta-feira pedindo desculpas por não falar português.
Todos deveriam pedir desculpas. Brasileiros, argentinos e uruguaios (sem contar os portugueses, também presentes) parecem falar línguas bem diferentes, e o Mercosul (setor cultura) parece viver o esplendor da pré-história.
Em parte, isso se deve ao fato de existir um descompasso entre os vários estágios de suas produções. No Uruguai a produção cinematográfica praticamente inexiste, e a idéia de Mercosul, ou seja, de um grande mercado, é um bálsamo.
A Argentina conseguiu impor seus filmes no próprio país. Hoje detém 20% do mercado, cerca de 5 milhões de ingressos por ano, e aspira mais. O Brasil seria um parceiro perfeito para suas produções, mas também um enorme desaguadouro para seus filmes.
Os brasileiros, ao contrário, estão às voltas com uma produção que ressurge, mas quase sempre é exibida apenas em salas de arte. Sua ambição, antes do Mercosul, é conseguir se fixar internamente.
É certo que nessa pequena Babel algumas questões são comuns: o cinema do Mercosul será feito de obras (no sentido em que terão por prioridade a ambição artística) ou produtos (isto é, constituindo uma indústria, que faça frente aos norte-americanos)?
É certo que muita saliva será gasta, nos próximos anos, antes que se chegue a falar algo parecido com uma língua comum.
Ao longo da semana alguns aspectos ficaram razoavelmente claros aos participantes, como a necessidade de instaurar câmaras multinacionais capazes de compatibilizar as legislações, de modo a tornar viáveis as co-produções do Mercosul, por exemplo.
A maior parte dos palestrantes não brasileiros também externou o sentimento de que a existência de um bloco comercial passa pela aproximação entre as culturas dos vários países. Viabilizá-la e fazer com que esse desejo dos produtores seja partilhado por parcelas mais amplas da população parece supor um longo caminho.
Da mesma forma, as relações entre cinema e televisão ainda são sumárias, quando não sombreadas por mútua desconfiança. Assim, os produtores cinematográficos brasileiros temem que a Rede Globo, por exemplo, venha a se valer de mecanismos como a Lei do Audiovisual e passe a produzir filmes com dinheiro obtido de renúncia fiscal do Estado.
Os cineastas reivindicam uma legislação semelhante à francesa, que obriga as TVs a investir em cinema parte de seu lucro, mas sem controlar a produção.
Na tarde de quinta, Pedro da Costa, vice-presidente do Instituto Português do Cinema e Artes Audiovisuais (Ipaca) lembrou que os "latinos discutem seus problemas até a raiz, mas depois têm dificuldade de passar à ação". Talvez uma maneira delicada de lembrar que discussões como a desta semana ficam no fio da navalha: as experiências que aí se trocam tanto podem ter sido úteis ao futuro como ter sido apenas blablablá.



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