|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Seminário do Mercosul em SC
fica entre o útil e o blablablá
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Após quatro dias e sete mesas de
debates no 2º Seminário de Cinema e Televisão do Mercosul, em
Florianópolis (SC), impossível
não concordar com o produtor argentino Kiko Tenembaum, que
abriu sua intervenção na manhã
de quinta-feira pedindo desculpas
por não falar português.
Todos deveriam pedir desculpas.
Brasileiros, argentinos e uruguaios (sem contar os portugueses, também presentes) parecem
falar línguas bem diferentes, e o
Mercosul (setor cultura) parece
viver o esplendor da pré-história.
Em parte, isso se deve ao fato de
existir um descompasso entre os
vários estágios de suas produções.
No Uruguai a produção cinematográfica praticamente inexiste, e a
idéia de Mercosul, ou seja, de um
grande mercado, é um bálsamo.
A Argentina conseguiu impor
seus filmes no próprio país. Hoje
detém 20% do mercado, cerca de 5
milhões de ingressos por ano, e aspira mais. O Brasil seria um parceiro perfeito para suas produções, mas também um enorme desaguadouro para seus filmes.
Os brasileiros, ao contrário, estão às voltas com uma produção
que ressurge, mas quase sempre é
exibida apenas em salas de arte.
Sua ambição, antes do Mercosul, é
conseguir se fixar internamente.
É certo que nessa pequena Babel
algumas questões são comuns: o
cinema do Mercosul será feito de
obras (no sentido em que terão
por prioridade a ambição artística) ou produtos (isto é, constituindo uma indústria, que faça
frente aos norte-americanos)?
É certo que muita saliva será gasta, nos próximos anos, antes que
se chegue a falar algo parecido
com uma língua comum.
Ao longo da semana alguns aspectos ficaram razoavelmente claros aos participantes, como a necessidade de instaurar câmaras
multinacionais capazes de compatibilizar as legislações, de modo a
tornar viáveis as co-produções do
Mercosul, por exemplo.
A maior parte dos palestrantes
não brasileiros também externou
o sentimento de que a existência
de um bloco comercial passa pela
aproximação entre as culturas dos
vários países. Viabilizá-la e fazer
com que esse desejo dos produtores seja partilhado por parcelas
mais amplas da população parece
supor um longo caminho.
Da mesma forma, as relações entre cinema e televisão ainda são
sumárias, quando não sombreadas por mútua desconfiança. Assim, os produtores cinematográficos brasileiros temem que a Rede
Globo, por exemplo, venha a se
valer de mecanismos como a Lei
do Audiovisual e passe a produzir
filmes com dinheiro obtido de renúncia fiscal do Estado.
Os cineastas reivindicam uma legislação semelhante à francesa,
que obriga as TVs a investir em cinema parte de seu lucro, mas sem
controlar a produção.
Na tarde de quinta, Pedro da
Costa, vice-presidente do Instituto
Português do Cinema e Artes Audiovisuais (Ipaca) lembrou que os
"latinos discutem seus problemas
até a raiz, mas depois têm dificuldade de passar à ação". Talvez
uma maneira delicada de lembrar
que discussões como a desta semana ficam no fio da navalha: as
experiências que aí se trocam tanto podem ter sido úteis ao futuro
como ter sido apenas blablablá.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|